Surfistas de competição
Há uma luz ao fundo, mas o túnel ainda é muito escuro…
Nunca houve tantas escolas de surf, nunca se repetiu tantas vezes a palavra treino, nunca houve tantas crianças em ATL´s, nunca houve tanto crowd nas nossas águas e tanto investimento neste desporto por parte das entidades públicas e privadas. Mas continuamos a ser um país com um nível de surf muito abaixo das verdadeiras potências, como o Havai, a Austrália ou o Brasil.
Encontro facilmente três razões para isso acontecer. Existem muitas mais, estas são apenas as que saltam mais à minha vista. Permitam-me que as partilhe, sem crítica destrutiva e sem maldade nos comentários.
1 – Percentagem reduzida na transmissão de experiências entre familiares.
Analisemos alguns dos surfistas que ainda muito novos já estão a dar cartas ao nível internacional.
João Mendonça, Afonso Antunes, Joaquim Chaves, Francisca Veselko, Beatriz Carvalho. O que têm em comum? Familiares que são surfistas experientes.
Estes, sem dúvida, estarão sempre em vantagem em relação aos restantes (a maioria). O Agente de socialização família tem demonstrado ser uma das armas mais eficazes para transformar desportistas em campeões.
É certo que Frederico Morais não vem de uma família de surfistas, mas vem de uma família de desportistas e esse factor foi decisivo para o seu sucesso enquanto surfista. Em momentos cruciais da sua carreira soube-se rodear das pessoas certas, nomeadamente do experiente surfista Richard Marsh.
2 – Grande percentagem de treinadores de surf com fraquíssimas competências para ensinar.
Uma câmara de filmar, uma pele bronzeada, uma mala gira e um caderninho de apontamentos, não fazem um treinador. É preciso saber explicar movimentos. Não digo que seja necessário fazer um aéreo 360º para teorizar a manobra, mas o que dizer de um treinador de surf que não surfa mais de meio metro ou não sabe fazer um bottom turn e uma rasgada com fluidez? Tem credibilidade para ensinar movimentos mais técnicos?
E aqui acontece o primeiro erro dos pais não surfistas. Não conseguem analisar se o treinador x ou y é de facto um surfista com credibilidade para ensinar. Não o conseguem fazer nem por observação directa, nem por conselhos de amigos, pois normalmente desconhecem por completo o universo do surf.
3 – Impossibilidade dos jovens provenientes das classes menos favorecidas praticarem surf com regularidade, na vertente de lazer e na vertente de competição.
Se não forem criadas estruturas para apoiar jovens de famílias que não podem pagar o transporte para a praia e as aulas de surf, vão-se perder milhares de talentos em cada geração. Não basta fazer eventos pontuais em que se empurram softboards e batem-se palmas a meninos carenciados e no final faz-se um registo fotográfico, previamente acordado com um subsídio camarário. É preciso que haja um trabalho regular nesta matéria. São necessários Professores de Educação Física nas escolas que se dediquem a estas matérias com afinco e profissionalismo. É preciso quadruplicar os apoios financeiros e logísticos aos clubes de surf e até mesmo profissionalizar os seus quadros dirigentes.
Existem outras razões para que o surf competitivo português esteja atrasado. Pode parecer contraditória esta minha observação e espero que não peque por ser escrita nas últimas linhas.
Falta a vontade de surfar por paixão. Sem obrigação, sem treino, sem ambições desmedidas, sem pensar em ordenados milionários e garagens cheias de pranchas novas que dormem ao lado de um carro topo de gama.
É preciso pensar em ser surfista e só depois em ser competidor.
Para ler mais textos de João “Flecha” Meneses visita o seu blog “Caderneta de Mar”.
Sobre o Autor:
João “Flecha” Meneses | Com mais de três décadas de surf nos pés, “Flecha” enquadra dois adjectivos de respeito no surf, “underground” e “Soul” surfer. Originalmente local das ondas da Caparica, João tornou-se residente da Ericeira há mais de uma década e é um daqueles surfistas que não aceita insultos do “Sr. Medo”. Nos seus tempos livres é escritor de mão cheia e esta é mais uma grande colaboração com a ONFIRE.
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