Ribeira d’Ilhas era uma onda vaidosa e vestia-se de forma sensual para hospedar no seu corpo os melhores surfistas do mundo. Dois jovens tinham-se infiltrado na equipa da produção através do clube local e, orgulhosamente, faziam parte do staff do campeonato. Cenário perfeito! Davam ao braço carregando baias de ferro e bandeiras enquanto assistiam às sessões de freesurf dos competidores, aguardando pelas tarefas que lhes seriam atribuídas para os dias do campeonato. Era um trabalho fácil e sem grandes distrações para dois jovens normais. Mas eles não eram normais. Com as ondas por perto tornavam-se viciados. E o vício é tramado…

A hora de almoço aproximou-se e Mark Occhilupo (Occy) passou de forma descontraída pelo areal em direção ao mar e o filme começou. Mesmo sem serem convidados os dois jovens forçaram a sua participação como actores secundários do momento. O camião das baias tardava em chegar e sentiram-se autónomos para decidir que a hora de almoço seria antecipada. Em menos de vinte minutos já partilhavam o mar com a lenda, enquanto os colegas assistiam incrédulos a tamanha ousadia. Sem chegarem à meia dúzia de ondas e ainda sem a devida troca de palavras com o ídolo australiano, repararam que em terra trabalhava-se arduamente e as estruturas já estavam fixadas no parque de estacionamento de Ribeira. Saíram de fininho… uma sandes pela goela e enfileiraram-se na equipa de trabalho. Por pouco tempo, claro! O despedimento foi feito sem carta registada e ali mesmo, na praça pública. Não choraram, não imploraram pelo posto de trabalho. Limitaram-se a vestir os fatos de borracha num misto de choque e excitação e voltaram para o mar, onde permaneceram até ao anoitecer.

Com quase vinte anos de distância, para além do vício do surf, tenho como hábito passear pelas arribas desta praia. E sempre que vejo bandeiras e campeonatos, lembro-me que fiz parte, por algumas horas, da dupla mais feliz de desempregados da Ericeira.

João “Flecha” Meneses

Para ler mais textos de João “Flecha” Meneses vista o seu blog “Caderneta de Mar”.

Sobre o Autor:
João “Flecha” Meneses | Com quase três décadas de surf nos pés, “Flecha” enquadra dois adjectivos de respeito no surf, “underground” e “Soul” surfer. Originalmente local das ondas da Caparica, João tornou-se residente da Ericeira há mais de uma década e é um daqueles surfistas que não aceita insultos do “Sr. Medo”. Nos seus tempos livres é escritor de mão cheia e esta é mais uma grande colaboração com a ONFIRE.

(Um best of de Mark Occhilupo…)

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