Quando se fala em provas do Championship Tour da World Surf League em Portugal, normalmente é uma conversa sobre Peniche, ou Figueira da Foz, onde se realizaram as primeiras provas.
A primeira vez que a primeira divisão do circuito mundial passou no nosso país foi em 1996, quando se realizou o Coca Cola Figueira Pro. Esta (hoje) pouco falada surf town recebeu a elite do surf mundial 4 vezes, em 1996 e 97, 2000 e 2002. Em 2001 também estava agendada uma prova, mas a instabilidade resultante dos acontecimentos de 11 de Setembro fizeram com que a perna europeia fosse cancelada. O facto de no ano seguinte a prova não ter chegado ao fim na Figueira pode ter sido “machadada final” para acabar com a etapa portuguesa, que só voltaria em 2009, em Peniche, mantendo-se até aos dias de hoje.
Mas houve mais uma etapa, quase esquecida pela história do surf português, durante os “anos da Figueira”, o Buondi Sintra Pro. Realizada em 1997, o único ano com duas etapas do CT (na divisão masculina) em Portugal, a prova foi apontada para Setembro, na Praia Grande, semanas antes do tour seguir para a Figueira da Foz. Era uma daquelas etapas que tinha tudo para avançar sem grandes dificuldades mas… não! A Praia Grande é um dos surf spots mais consistentes da Europa, com pouquíssimos dias sem ondas durante todo o ano mas em Setembro de 1997 o oceano parecia estar em “modo boicote”. As ondas simplesmente não entravam na Praia Grande e nos primeiros dias apenas se realizaram uma mão cheia de heats na maré vazia e as perspectivas para o resto do período de espera não eram animadoras.
Nesta época o tour ainda era constituído por 44 surfistas e havia ainda espaço para quatro wildcards. Tiago Pires já era um dos grandes destaques do surf nacional mas nunca saberemos se seria convocado para esta etapa pois tinha compromissos anteriores para esta data, iria representar a selecção nacional na Irlanda como sénior, apesar de ainda ser júnior. Escolhidos para competir em Sintra foram então os campeões europeus de Sub16 e Sub18, David Luís e Ruben Gonzalez, Didier Piter, campeão do EPSA (circuito profissional europeu) e, curiosamente, Brad Gerlach, que estava a tentar fazer um comeback ao mais alto nível de competição, algo que não conseguiu concretizar.
De volta aos heats na Praia Grande, um dia, durante uma bateria com condições miseráveis, Chris Gallagher abordou Renato Hickel, a avisar que havia um spot um pouco mais a norte que estava a dar ondas boas durante todas as marés e no dia seguinte, organização, competidores e muito publico, desciam centenas de escadas para avançar com a prova na Praia da Aguda. Até aí esse pico era um secret spot, raramente surfado, mas os fundos estavam perfeitos e abdicou-se desse segredo.
Muito aconteceu nos dias que se seguiram nas esquerdas da Aguda, com destaque para a vitória de Ruben Gonzalez sobre Kelly Slater. Ruben tinha avançado para o round 3 devido à ausência do número 2 do ranking, Shane Beschen, que, pelo segundo ano consecutivo não compareceu na prova portuguesa. Pouco antes do tão esperado heat, Kelly VS Ruben, a conversa na praia era sobre a bebedeira que o campeão mundial tinha apanhado na noite anterior no Bairro Alto, e o que é certo é que quando Gonzalez entrou na água Slater ainda não tinha chegado à praia. De facto Ruben apenas surfou uma onda, muito fraca, quando começou a comoção. Aparentemente Kelly corria de calções e prancha pelas longa escadaria abaixo, chegando ao pico passados poucos minutos sem passar pelo beach marshal para apanhar a lycra, algo que a ASP deixou passar, provavelmente pela primeira e única vez na história do Championship Tour. E, para crédito de Ruben, foi aí que o heat realmente começou. Ambos fizeram várias esquerdas cheias de manobras e o português estava simplesmente inspirado, acabando por vencer para a alegria das milhares de pessoas presentes, com toda a justiça e mérito.
Outras acontecimentos não ficaram tão conhecidos, como os ataques de raiva de Mark Occhilupo. O raging bull, acabadinho de retornar ao tour depois de muitos anos de ausência, estava na ilusão de se encontrar na disputa pelo título mundial, uma vez que estava em segundo no ranking. Mas, claro, Kelly era o líder e ia bem lançado, com fortes hipóteses de “selar” o título em Portugal. Mesmo com uma derrota no round 3 de Slater, Occy precisava de um pequeno milagre para voltar a encostar-se a Slater, que na altura ainda “só” tinha 4 títulos mundiais.
Mark venceu alguns heats até se encontrar com Rob Machado nos oitavos de final man-on-man. Rob, por sua vez, era talvez o surfista do tour com um nível de surf mais próximo de Slater e em esquerdas de meio metro era claramente superior. Para “ajudar na festa” o beach marshall de serviço, sempre simpático com os competidores quando lhes entregava as lycras, teve a infeliz ideia de comentar algo com Occy como “este heat vai ser um pouco mais difícil, boa sorte”. E, claro, como não podia deixar de ser o australiano levou uma valente pazada e quando saiu da água atirou com a lycra à cara do beach marshall, acompanhando o gesto com um manguito e um “fááák you”. Pouco depois fazia justiça à alcunha de “touro enraivecido”, destruindo o seu quarto de hotel, até acalmar e seguir para a próxima etapa, onde acabaria por assistir à consagração do “penta” de Kelly Slater.
Nas semanas que se seguiram o banco de areia da Praia da Aguda proporcionou boas ondas a surfistas que pouco tempo antes nunca tinha ouvido falar desse pico mas, assim que entrou a próxima ondulação forte, a areia “movimentou-se” e nunca mais apresentou ondas com a mesma qualidade…
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