Os membros da realeza residentes em Sintra durante o verão nunca se aventuraram nas águas da Praia Grande. Não eram visionários do lazer marítimo como os Reis Havaianos. Encontro, facilmente, algumas razões para tal. Água fria, roupas impróprias para nadar e um medo profundo das poderosas ondas da linha de rebentação. Na Corte existiam homens que conheciam o mar alto, as velas, as estrelas e os astrolábios. Quanto a banhos, preferiam o território entre Algés e Cascais, onde abundavam as casas de veraneio, tendo como Jardins a calma do oceano.

A verdadeira realeza das águas de Sintra chegou mais tarde, já a República ia longa, na última década do século XX e tinha como o seu mais ilustre representante, espantem-se, um jovem sem sangue azul. Não era afilhado da Rainha Dona Amélia, nem tinha um quadro seu no Palácio da Pena. André de nome próprio, Pedroso de família, preferia as praias, a Grande quando ainda era grande, a das Maçãs ou da Adraga. Por ali construía o seu Castelo, pedra sobre pedra, onda sobre onda. Sabia que do lado esquerdo da praia maior, a Grande, em plena falésia, os dinossauros tinham deixado as suas pegadas. Não adivinharia que ele próprio deixaria das pegadas mais importantes do surf português. Não interessa saber porque não seguiu uma carreira mundial nas ondas. Já muitos escrivães gastaram tinta de caneta de pena em papel de pergaminho. Importa apenas lembrar a influência que teve nos surfistas que o seguiram, no talento e na experiência.

Nos tempos que correm, Dom Pedroso não tem trono oficial nem foi recebido em Belém. Não por falta de mérito, mas porque a República Portuguesa nem sempre admira a beleza dos artistas. A Monarquia, ela própria, podia causar alguma desigualdade entre classes, mas pagava a preço de ouro os homens das artes. Hoje já não é bem assim… os gestores do surf ao serviço da República olham para números e margens de progressão de criancinhas de fraldas. Querem torná-las em príncipes sem saberem andar a cavalo. Usam demais a palavra atleta e de menos a de surfista. Mergulham no erro de não perceber que neste nosso mundo tão mágico, o atleta tem que ser homem do mar. E o André, antes de tudo, é tudo isso, do mar.

Dom Pedroso não ficou apenas para a história. Ele continua a escrever a história. Impressionou todos os surfistas que o viram surfar. Impressiona todos os que ainda o vêem surfar! Era um talento de outra época. É um talento desta época! Portugal não tinha espaço para ele porque o seu espaço eram as ondas do mundo. Não partiu. Ficou! Não há que lamentar porque ficou e tornou o espaço maior, o dele e o dos outros.

Se a nossa República Democrática funcionasse Dom André Pedroso tinha um subsídio vitalício do Estado para fazer surf, até que as pernas enfraquecessem de tantas curvas nas ondas ou até que as cataratas e as miopias cegassem os nossos olhos de tantos leques de espuma branca projectados pela sua prancha. Ai, se esta República funcionasse, teríamos comerciantes venezianos a inspirarem-se no surf de D. Pedroso, produzindo de seguida as mais belas obras de arte. As ondas vizinhas do seu Castelo, um pouco a norte, na Ericeira, dizem-nos isso mesmo. Sempre que a Baía funciona esperam por ele como quem espera pela batalha final. Lips desventrados e tubos profundos. Dropes de galopada num grito de vamos a eles.

Desconheço onde mora D. Pedroso, mas sei que não acorda num palacete com brasão à porta, nem se desloca até à beira mar em Coches forrados de veludo encarnado e de ouro. Não é Marquês, Conde ou Escudeiro.

Não, não pensem que sou monárquico. Mas não posso deixar de vos dizer que sempre que vejo o André a surfar (desculpem, Dom André), gostaria que um qualquer Rei da nossa Dinastia surgisse numa das muitas neblinas da Praia Grande e o ordenasse Cavaleiro dos Mares.

Adivinha-se uma nova Batalha de Ourique. Sirvam-se da melhor carne e ataquem as pipas de vinho que a Festa vai começar. Vamos a eles, D. Pedroso! Com sangue e cabeças rachadas, até à Vitória!

JFM

Sobre o Autor:
João “Flecha” Meneses| Com mais de 20 anos de surf, “Flecha” enquadra dois adjectivos de respeito no surf, “underground” e “Soul” surfer. Originalmente local das ondas da Caparica, João tornou-se residentente da Ericeira há mais de uma década e regularmente troca as ondas mais convidativas dos beach breaks da área pelas mais pesadas ondas da sua “terra adoptiva”. Nos seus tempos livres é escritor de mão cheia e esta é a primeira (de muitas mais, esperamos) colaboração com a ONFIRE.

(André Pedroso em 2004 a justificar títulos de nobresa nos Coxos)

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