Big Wednesday é para mim um dos filmes mais fascinantes que o mundo do surf já testemunhou. Reina na minha pobre videoteca e sinto-me na obrigação de falar dele a qualquer curioso deste nosso estilo de vida.

Retrata o surf na forma mais pura. Década de 60, Califórnia! Fala de amizades na juventude, de fogueiras na praia, de união em torno das ondas. Mas também de crescimento, de mudança, de vida e de morte, de saudade. É, no mínimo, uma obra de arte. E que bonita homenagem aos homens do mar! Lembro-me de uma cena em particular, em que o surfista Matt Johnson (um dos personagens principais e representado pelo actor Jan-Michael Vincent) assiste ao funeral do seu amigo Waxer, morto em combate na guerra do Vietname. Há um momento em que se dirige ao pai do falecido, dando-lhe as mais sinceras condolências. Este pergunta-lhe de onde conhecia o seu filho.

“Éramos amigos da praia”, responde.

O Homem enlutado ignora a resposta e continua o seu caminho na marcha fúnebre.

Difícil entender que os amigos da praia possam tornar-se das pessoas mais importantes da vida de alguém. Difícil perceber que há sentimentos sinceros que crescem ao ritmo das ondas, que se agasalham com o frio do inverno e que se enraízam nos fundos de rocha e nas bancadas de areia. Difícil compreender que há amizades de mar!

Para muitos, é difícil imaginar que o nome de família, a ideologia política ou os objectivos profissionais, sejam irrelevantes para o barómetro que define sentimentos.

Difícil perceber quem gosta de ser chamado pela alcunha do baptismo de mar, quem grita com entusiasmo com a aproximação de uma onda perfeita e se sente criança em pleno recreio escolar. Difícil perceber que há pessoas que não sabem qual o número de euros da conta bancária dos seus amigos, mas sabem de cor o número de tubos que estes completaram na mais intensa sessão de surf do ano.

Viver! Sentir a magia no jogo das ondas, ignorando o jogo feio que a sociedade joga.

Por duas vezes percebi, da forma mais dura, a importância dos amigos do mar. Percebi com dor! Percebi que eles também partiam… tal como o Waxer, mesmo sem guerras do Vietname.

E foi com muita dor, que tive o privilégio de mergulhar numa celebração intensa e, simples.

Com todo o respeito pelas religiões, peço-vos que esqueçam Igrejas Cristãs, Templos Hindus ou Budistas, Mesquitas e Sinagogas. Vejam apenas mulheres e homens sentados nas suas pranchas de mãos dadas, fazendo uma roda no mar. Oiçam o silêncio cessado com palavras de emoção. Sintam as lágrimas mas espreitem mais os sorrisos.

E não estamos perante a mais bela celebração da vida?

João Meneses

 

Para ler mais textos de João “Flecha” Meneses visita o seu blog “Caderneta de Mar”.

Sobre o Autor:
João “Flecha” Meneses | Com quase três décadas de surf nos pés, “Flecha” enquadra dois adjectivos de respeito no surf, “underground” e “Soul” surfer. Originalmente local das ondas da Caparica, João tornou-se residente da Ericeira há mais de uma década e é um daqueles surfistas que não aceita insultos do “Sr. Medo”. Nos seus tempos livres é escritor de mão cheia e esta é mais uma grande colaboração com a ONFIRE.

 

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