Falar com o Augusto “Fininho” é mergulhar num livro de história, repleto de estórias vividas no mar. Sempre que trocamos palavras, escritas ou faladas, fico sempre com a sensação de que enquanto houver surfistas como ele, por mais massificação, por mais plástico que possa surgir aqui ou ali neste nosso mundo das ondas, haverá sempre a esperança de que os surfistas sejam seres mergulhados em liberdade, espontaneidade e que seguem um caminho diferente da sociedade cinzenta que, por vezes, nos absorve de forma louca.
O surf agarra para a vida toda, é a “DROGA” mais saudável que conheço…
NOME: Augusto “ Fininho “ Couto
ALCUNHAS: Fininho, Finex, Finório, Finócas, Fino, Coisa Fina, Fraquezas, Lendea, Kelly das Maçãs, Matt Johnson, Jacaré de água salgada… etc
IDADE: 50 anos
TEMPO DE SURF: 36 anos (84 a 86 com prancha de esferovite, comprada na drogaria Moreira na Praia das Maçãs. De 86 até 2018 com prancha de fibra)
LOCAL: Praia das Maçãs (desde 1969) / Praia Grande
ONDA FAVORITA: Catedral, também conhecida como Baia dos Dois Irmãos ou Coxos
VIAGENS: Açores 1994, Cabo Verde 2000, Rio de Janeiro 2002, Hossegor 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, Maldivas 2016
Indica-me alguns dos teus filmes de surf preferidos e fala-me um pouco deles?
Free Ride, Many Classic Moments, Ocean Fever, Searching for Tom Curren, Trials to Title (Tom Curren), Performers, Bustin Down the Door, Big Wednesday, Morning of the Earth, Wave warriors, Gripping Stuff… etc
Os mais importantes, que mais me marcaram e influenciaram foram o Free Ride pois foi graças a esse filme que tive o desejo e a vontade de me tornar surfista após ver os tubos impossíveis do Shaun Tomson. O Many Classic Moments, pelo Aloha, e pela performance do Buttons, o mais progressivo e inovador surfista dos anos 70 e, finalmente os do Tom Curren, pois é para mim o Mestre do estilo e o surfista que mais admiro desde que comecei a surfar.
Campeonatos históricos a recordar, internacionais e nacionais?
Buondi Pro – 1990 – Ribeira D’Ilhas | Vencedor Tom Curren.
Campeonato Nacional Surf | Etapa da Praia Grande 1998, Dapin vence o campeonato numa final a 4 em que deixou todos em combinação.
Quik Pro France – 2009 | 3º lugar do Tiago “Saca” Pires.
Rip Curl Pro Peniche – 2011| Adriano vence Kelly na final, condições perfeitas (épicas) durante todo o campeonato.
Nazaré Challenge – 2016 | 3º lugar do Macedo e 6º do Toni, contra os melhores do mundo em condições épicas.
Capítulo Perfeito – 2016 | Muito intenso os tubos perfeitos a 10 metros da areia.
Surfistas favoritos Old School e New School?
Old School – Gerry Lopez, Shaun Tomson, Cheyne Horan, Simon Anderson, Buttons, Tom Curren, Occy, Kong, Pottz.
New School – Kelly, Andy, Mick Fanning, Parko, Medina, Italo, JJF, Julian Wilson, Kikas.
Qual a importância dos surfistas mais novos terem cultura de surf?
A importância é total. Não basta praticares um desporto ou um estilo de vida se não sabes nada sobre a origem/raízes ou os pioneiros desse desporto.
Tens de voltar atrás no tempo para perceberes as origens. Quem foi o Duke? Como é que ele mostrou o surf ao mundo há 100 anos atrás? Quem foram os primeiros profissionais? (Ian, PT, ST, Rabbit, Simon, Cheyne, HO…) Como eram as pranchas e como evoluíram? Quem inventou o leash e porquê? Como eram as manobras e como evoluíram?
Hoje em dia os putos sabem fazer tubos e dar aéreos, mas se lhes perguntares que foi o 1º campeão mundial de surf (Bernard “Midget “ Farrelly 1964), ou não sabem ou talvez te respondam Kelly Slater. Isso é inadmissível!
As escolas de surf também têm de ter um papel muito importante neste aspecto. Não basta seres um Kikas ou um Vasco Ribeiro se não sabes quem é o Dapin ou o Saca. Não basta surfares na Catedral (Coxos) hoje em dia se não souberes quem é o Tiago Oliveira ou o Miguel Fortes. Não basta teres o último modelo de prancha do Kelly, JJF ou Medina com apenas 2 kg se não souberes o que é um pranchão em balsa, uma single fin ou uma twin. É o mesmo que amares o Ronaldo e seres um bom jogador de futebol no teu clube, sem saberes quem foi o Pelé, Eusébio, Maradona, Futre, Figo, Zidane e o que fizeram e conquistaram.
A cultura de surf tem de ser explicada aos mais novos, não precisam de ser uma enciclopédia, mas têm de ter algumas noções sobre o passado do desporto que amam e praticam.
Fazem falta revistas de surf?
Para mim, sim!! Hoje em dia com a internet e nesta era digital temos acesso a tudo e podemos pesquisar o que queremos rapidamente e obter toda a informação que necessitamos apenas com um clic, mas aquele feeling de comprares a revista, de a desfolhares, de ver as fotos, os anúncios com os teus surfistas preferidos, leres as crónicas dos teus jornalistas favoritos de surf, Derek Hynd, João Valente, Júlio Adler, Gonçalo Cadilhe etc, fazem-me falta. Eu cheguei a comprar 7 revistas de surf por mês. Gastava quase 50 euros, mas foi por ler todas essas revistas (e não só) que aprendi muito sobre o nosso desporto. Parte de toda a minha cultura de surf foi por causa das revistas que lia e relia mensalmente.
Fala-me de alguns episódios interessantes que viveste e que gostasses de partilhar, sobre ti e sobre surfistas portugueses e/ou surfistas estrangeiros.
Em 2005 fui a Hossegor pela 1ª vez com um dos meus melhores amigos o Pistolas para ver o Quik Pro France. À noite íamos sempre ao RockFood onde a nata do surf mundial se reunia e convivia com os comuns dos mortais como nós. Estávamos certa noite a beber umas Fosters e de repente aparece o maluco do Matt Hoy. Acho que não preciso de apresentar tamanha figura do surf mundial e profissional, o gajo sempre viveu a 300 à hora, só tinha uma velocidade que era sexta a fundo. O seu lema era “surf, sex e rock n’ roll“, olhou para mim e para o Pistolas e disse “ You fukin bastard!!! I know you, mate !!! “ lembrou-se de mim do campeonato do mundo na Figueira da Foz, o Coca-Cola Figueira Pro em que foi ele o vencedor, comigo a gritar no meio do crowd. Escusado será dizer que foi toda a noite a pagar jolas e a dizer “ Hoje é tudo por minha conta, vocês não pagam nada!!! “. Foi até às 4h da manhã, todos podres para a carrinha onde estávamos a dormir. Às 8h da manhã acordo com barulho e urros, olho pela janela da carrinha e LÁ GRAVIERRE estava perfeito, 1,5 m a 2m perfeito. Fomos para a água ainda todos podres, mas foi um festival de tubos com alguns prós ao nosso lado a partir tudo, Jeremy, Andy, Shane, etc. O Shane deu-me a onda da viagem, um tubo que ainda hoje está nos meus 10 melhores e que o Pistolas até bateu palminhas.
Nesse ano os manos Irons fizeram a final num mar épico de 3m em LA NORD.
Uma palavra ou várias, ou se quiseres conta uma história sobre Tom Curren e outros surfistas que admiras.
Tom Curren – Mestre do estilo, tuberider mágico, power surfer, excelente músico, tímido, reservado, misterioso, recordista de vitórias (33) até ser batido por Kelly Slater com 55 vitórias. Tricampeão mundial, 85,86 e 90. Ídolo do Kelly e meu.
Vi o Curren pela 1ª vez em 1990 no Buondi Pró na Ericeira, campeonato que viria a vencer, numa final contra Todd Holland. Nesse mesmo ano sagrar-se-ia tricampeão mundial vindo dos trials.
A 2ª vez foi no WQS de 98 na Praia Grande onde tive o prazer de conversar com ele e me assinou o seu filme de 96 “ Searching for Tom Currem “ do já falecido Sonny Miller. Entre 2005 e 2009 fui 5 anos consecutivos a Hossegor para ver o WCT e para apoiar o Saca e encontrei – me com ele várias vezes, sempre tímido e reservado, mas também atencioso e cordial. Tirei várias fotos com ele, surfámos juntos algumas vezes e assinou-me o seu CD de música com uma dedicatória.
O auge foi quando um dia ligo o Facebook de manhã e dou conta que o Tom tinha actualizado a sua foto de capa com a nossa foto conjunta tirada em Hossegor em 2007. Nem queria acreditar que o meu ídolo tinha colocado a minha foto com ele como capa do Facebook. É claro que o pessoal meu amigo e eu estávamos incrédulos, mas foi uma forma que ele achou de me revelar a sua gratidão e carinho em relação a mim.
Martin Potter – Best Power surfer dos anos 80/90.
Brad Gerlach – Surfista radical e explosive, estilo lindo. Party animal dos anos 80/90.
Occy – Um diamante bruto, o goofy mais power de sempre, dono de um surf bruto.
Dupla Matt Archbold/Christian Fletcher – Wave warriors kids, os melhores aérialistas dos anos 80/90.
Shaun Tomson – Ídolo, o maior embaixador do surf mundial e profissional que o circuito já teve. Magic tuberider.
Surfistas Havaianos
Gerry lopez – o mais estiloso surfista de Pipeline.
Buttons – O mais inovador, radical e progressivo surfista dos anos 70. Um Kelly dos anos 70.
Dane Kealoha – O mais power surfer havaiano de sempre. Mr. Backdoor, “ He is so power, they cal him Great Dane “
JOB / JJF – Os reis de Pipeline e do Havai
Outros surfistas que queiras caracterizar
Dapin, Saca, Kikas – Dapin e Saca os reis de Portugal, Kikas. o príncipe.
Tipo de surf. Old School ou New School?
Gosto de ver os dois tipos, mas identifico-me mais com Old School Power Surfing. Menos aéreos e mais carves, menos tail slides reverses e mais roud house full rail cutback a bater na espuma. Bons tubos à maneira antiga e menos chapelinhos a atrasar com as duas mãos. Acho que os critérios já estão a mudar outra vez. O power surfing nunca vai morrer em detrimento dos aéreos e reverses. Isso são truques. Para mim surf é rail cravado na água e leques de água gigantes.
Sentes que ser surfista foi uma boa escolha nas decisões que tomaste ao longo da tua vida?
Foi, claro!!! Sempre tomei decisões e tentei orientar a minha vida em função do surf e de como poderia conciliar o surf com o trabalho, família, amigos, etc. O surf também me ajudou a ultrapassar momentos mais difíceis, complicados e menos bons da minha vida. O surf liberta, é uma terapia e ajuda a curar certas doenças e momentos menos positivos das nossas vidas. Costumo dizer “ Bora, vamos ao mar que isso passa “ ou “ depois da surfada vais ver que vais ficar melhor“.
Muitas decisões importantes que tive de tomar da minha vida pessoal e profissional, tomei-as enquanto esperava pelas ondas. Ser surfista não é um privilégio é uma bênção.
Vais continuar a partilhar diversos vídeos de surf nas redes sociais? Como te inspiras para fazer essa pesquisa?
Sim claro que vou. Sempre que me lembro ou apanho algum que julgo bom ou importante para a história e cultura do nosso desporto.
Bem, a maneira como o faço é um pouco aleatória. Umas vezes lembro-me e pesquiso no youtube, outras simplesmente partilho ou apanho algum post de gajos famosos e importantes que são meus amigos no Face, lendas e ex-campeões. Esses são os melhores porque vêm sempre do fundo do baú e são muito raros, alguns são mesmo só deles e bem guardados por muitos anos.
E o futuro? Achas que se está a perder o verdadeiro espírito do surf?
Acho que não. Todos nós surfistas fazemos surf por diferentes razões e/ou motivações. Uns porque gostam do mar e da natureza, uns porque é uma forma de desporto saudável, outros por prazer espiritual, terapia ou escape, uns porque gostam de ondas grandes e adrenalina, outros porque gostam de manobras ou tubos, outros porque adoram competir e a cena deles são os campeonatos, etc.
Mas uma coisa, é comum a todos estes surfistas, o “VÍCIO” o “STOKE” que o surf provoca em todos nós. O surf agarra para a vida toda, é a “DROGA” mais saudável que conheço, quanto mais fazes mais queres, quanto mais tens mais consomes, e quando estás uns dias ou semanas sem surf começas a ressacar e já ninguém te atura.
Uma vez perguntaram ao Simon Anderson “How does it feel?“ e ele respondeu “Feels like sex!! It’s like a long orgasm.“ – Acho que ele disse tudo.
Para mim o espírito do surf é “ PARTILHAR “. Partilhar emoções, experiências, ondas, vivências, pranchas, …… etc , com os nossos melhores amigos ou simplesmente com algum surfista desconhecido ou local. Esse é o verdadeiro espírito do surf e do Aloha e esse nunca vai acabar.
Uma mensagem para quem começou a surfar há pouco tempo e queira saber um pouco mais desta subcultura da sociedade.
É fácil, falem comigo e façam as perguntas que quiserem que eu ensino e explico tudo. Até mesmo a surfar (risos).
Para ler mais textos de João “Flecha” Menses vista o seu blog “Caderneta de Mar”.
Sobre o Autor:
João “Flecha” Meneses| Com quase três décadas de surf nos pés, “Flecha” enquadra dois adjectivos de respeito no surf, “underground” e “Soul” surfer. Originalmente local das ondas da Caparica, João tornou-se residente da Ericeira há mais de uma década e é um daqueles surfistas que não aceita insultos do “Sr. Medo”. Nos seus tempos livres é escritor de mão cheia e esta é mais uma excelente colaboração com a ONFIRE.
Comentários
3 comentários a “Augusto “Fininho” | Enciclopédia de surf”
Obrigado Amigos
Ganda Augusto ! Parabéns pela entrevista ! Totalmente de acordo OLd school power surfing é que É ! Abraço da Carrapateira !
És o maior…grande abraço do amigo do ramisco e malvasia ……e dos coxos…….pois claro….