Os anos 90 foram, em muitos aspectos, uma época de ouro no surf português. Foi aí que uma primeira geração começou a estabelecer-se, aproveitando alguns factores, como ter o surf na televisão regularmente e um circuito profissional organizado, para conquistar bons patrocínios e começar a viver 100% do surf. Um dos grandes nomes da época foi Marcos Anastácio, conhecido tanto pelo seu carisma como pelo seu surf rápido e radical, que foi claramente um dos que melhor soube aproveitar o crescimento que o desporto teve na altura. Falámos um pouco com Marcos para ficar a saber mais sobre a realidade do surf profissional nos primórdios dessa profissão no nosso país…

Consta que foste um dos primeiros patrocinados de surf na Red Bull. Podes contar como foi todo o processo?
Eu não fui dos primeiros patrocinados da Red Bull, eu fui o primeiro patrocinado de surf da marca a nível mundial. Lembro-me como se fosse ontem que foi o meu amigo Roni (Carrari) quem me ajudou a fazer essa ligação, pois a mulher dele trabalhava na Red Bull e disse que eles andavam à procura de um atleta. Eu fui levado pelo Roni a uma reunião com um colombiano num hotel, que era quem estava a tratar da implementação da Red Bull em Portugal, e pronto, fiquei e fui o primeiro. Devo muito a eles, fui patrocinado por muitos anos, estive na primeira fase da marca, que ainda era com uma distribuidora, numa segunda fase com outra distribuidora que era a Viborel, depois passei para a Red Bull internacional quando a marca se estabeleceu cá. Salvo erro, acho que fui patrocinado desde 1996 até 2016.

Ainda te lembras de todos os patrocínios que já tiveste?
Fui patrocinado pela Instinct, na altura do Martins Simões, comecei pela Gul e depois passei para a Instinct. Ainda fiz umas viagens, onde se destaca a da África do Sul, em que visitei a casa mãe da marca. Depois fui para a Gotcha, que era representada pela Tenda Samadi (actual Aura), infelizmente ambas foram marcas que acabaram. Foi através do Zé Manel (Sousa Braga, ex-selecionador nacional e ex-director de marketing da Aura) que me levou a uma reunião com o Rico (Moser), a quem eu devo muito. Eu era a terceira opção deles mas foi uma ligação à empresa por 10 anos, o que não deixa de ser engraçado. A primeira era o (Bruno Charneca) Bubas, só que ele não quis, a segunda era o (Rodrigo) Herédia, e depois eu. Sempre me apoiaram muita bem, deram-me tudo o que era possível, e o que era impossível muitas vezes. Depois fui para a Redley, que foi uma empresa que me deu um apoio brutal. O director de marketing era o Zé Seabra, uma pessoa que na altura já tinha uma grande visão e fiz imensas viagens com eles. Depois voltei outra vez para a Aura, patrocinado pela Reef durante muito tempo e sempre fui muito bem apoiado. Fora do surf (além da Red Bull) ainda fui apoiado pela NetCtra, uma empresa que depois foi adquirida pela Vodafone. Foi uma cena muito engraçada, nunca falei com ninguém, foi uma coisa meio fria, mas o pagamento batia sempre certo ao fim do mês.

Uma vez constaste-me que passaste por todas as marcas de óculos em Portugal! Confirmas? Quais foram?
Sim, deixa-me ver se me lembro de todos. Fui da Smith, que tinha um distribuidor nas Caldas da Rainha, fui depois da Draggon, que era representada pelo (Gonçalo Lopes) Ratinho, passei pela Arnette, quando ainda era “Arnet”, fui da Oakley por 2 ou 3 meses, jogada de bastidores, e mais recentemente fui da VonZipper.

E os prize moneys? Eram muito relevantes na vossa realidade?
Os prize moneys, se recebesse 100 contos (500 euros) já era brutal. A vida também era mais barata, eu lembro-me que houve uma altura, durante dois ou três anos em que ganhei 2.500 contos (cerca de 12.500 euros hoje), mais os prize moneys, que era o que um futebolista da terceira divisão ganhava. Dava para ser bem feliz a fazer aquilo que nós gostamos. Eu sei que são valores irrisórios para agora mas também sinto que agora pouca gente é patrocinada em Portugal e na altura havia muitos mais patrocinados. Acho que agora só precisamos dos dedos de uma mão para contar os surfistas que recebem mesmo dinheiro. São outras épocas, os patrocínios da minha altura estavam ligados a marcas de surf que vendiam imenso, só que hoje em dia, para receberes 1.000 euros a marca tem que vender muito pois para o marketing só vai 5 a 6% da facturação e o marketing não é só ter surfistas patrocinados.

Tendo vivido esse lado do surf durante tantos anos, nunca tiveste em mente ficar a trabalhar mais nessa área, do marketing/team manager, em vez de entrares no mundo das vendas/gestão de uma escola de surf?
Eu fiz parte do marketing, ajudava o Rico e o Zé Manel no marketing, mas esse trabalho não é só dar autocolantes e roupa. Tens que fazer um estudo, perceber o que vais retirar do patrocinado e aí acho que me faltava muito know how. E o que eu gosto mesmo é de vender.

Para terminar, como foi a adaptação de uma profissão para a outra?
As coisas sempre aconteceram de uma forma muito natural, temos que nos aguentar, eu quando era profissional surfava de manhã, a manhã toda e depois descansava e via televisão o dia todo. Agora se quiser faço surf de manhã mas antes era a minha primeira prioridade, e agora passou para a minha 10ª prioridade. Mas depois uma pessoa habitua-se, também faço o que gosto, estou ligado ao surf, na escola de surf e nos alugueres das pranchas, foi uma transição muito simples, não deu nenhuma depressão. Tem a ver com a educação que tive, os meus pais são pessoas muito trabalhadoras, a minha mãe sempre me incutiu que é importante trabalhar para garantir a sustentabilidade.

Comentários

2 comentários a “Keeping up com Marcos Anastácio | Uma conversa sobre a realidade dos patrocínios em Portugal nos anos 90”

  1. Sérgio Cabral diz:

    O Marcos é muito carismático, ele não dava para team manager porque ia desatinar com os surfistas armados em estrelas, já para vender até tem aquel estilo que se adora ou se detesta.
    Mas lá no fundo ele tem um coração enorme.

  2. Carlos Elias diz:

    Grande Marcos soube gerir bem a sua vida tive o prazer de convier com ele da 1 á 4 classe na escola Eduardo Maria na parede e ele sempre demonstrou grande interesse pelo surf muitos parabéns pelo que deu ao país e ao surf nacional .