(Artigo de 30 de Abril de 2020)

No dia 30 de Maio de 2016 tinhas uma boa razão para sair de casa e passar na tua papelaria mais próxima, ou quiosque, pois ias encontrar a ONFIRE #78 à venda. Seria também a última vez, pelo menos até à data, que seria lançada uma revista de surf portuguesa dentro dos moldes “clássicos”* e com periodicidade regular.

Foi uma edição bem recebida pelo público, até porque já tinham passado mais de 2 meses desde que a última ONFIRE tinha sido lançada e cerca de 4 ou 5 desde que a última SurfPortugal tinha passado pelas bancas. E tal como na última edição da concorrência, esta não foi projectada como uma edição de despedida. A revista apresentava um conceito novo, “The Water Issue”, um lançamento em grande parte focado em imagens captadas dentro de água, onde o próprio logótipo aparecia com pouco destaque, e mais alguns conceitos estavam já “na gaveta” para as próximas.

E porque não houve a próxima? Houve muitos factores mas o principal foi a componente comercial/financeira. A viabilidade de uma projecto editorial de nicho num país pequeno como o nosso nunca poderia depender apenas da vendas de revistas, incidindo muito na publicidade, algo que tinha baixado drasticamente nos últimos anos. Para esta última edição estávamos reduzidos a apenas 4 marcas, apesar de uma delas ter feito vários anúncios. Contas feitas, com uma perspectiva de venda em banca bastante optimista, o orçamento da edição #78 foi o suficiente para pagar a impressão na gráfica, colaboradores de fotografia e texto e designer. À primeira vista parece que temos um break even mas na verdade ficavam de fora todas as despesas que uma empresa tem mensalmente, como renda, contabilidade, funcionários e outras pequenas contas. Mas até aí tudo bem, já estava previsto há alguns anos que o papel estava a perder expressão e o núcleo duro da empresa começou a desenvolver outras áreas ligadas ao surf, como o vídeo e a produção de conteúdo, de modo a sustentar a “máquina”. Mais ainda, este grupo de trabalho estava preparado para continuar a produzir a revista, mesmo que esta não trouxesse qualquer retorno financeiro, apenas pela ligação emocional ao projecto, carolice ou sentido de obrigação de continuar a contribuir para o surf português.

No entanto surgiu uma “variante” que foi tanto um deal breaker como tudo o resto, a ascensão das redes sociais e, principalmente, do instagram. Uma das principais razões para comprar revistas de surf era, para além de ler bons textos, ver as melhores fotografias de surf algo que, de repente, banalizou. Muitos dos melhores surfistas portugueses começaram a publicar nas suas redes sociais imagens que tinham qualidade para ter destaque nas páginas da revista e mesmo em anúncios e capas, quebrando o impacto que teriam mais tarde. A equipa decidiu ter como política não usar imagens que já tinham sido usadas nas redes sociais e nas últimas edições chegámos ao ponto de ter a revista paginada e ter que procurar nos feeds dos surfistas e marcas para confirmar se já tinham sido utilizadas as fotos escolhidas, sendo essas muitas vezes substituídas. Lembro-me também de haver trocas de emails com fotógrafos que submetiam as suas imagens e quando descobriam que não seriam publicadas na edição seguinte simplesmente as ofereciam aos surfistas para as utilizarem no instagram.

O feedback da edição 78 foi muito positivo também dentro da indústria mas quando começamos a avançar com a edição seguinte estávamos reduzidos, em termos de anunciantes, a apenas uma empresa. Ficou decidido procurar mais anunciantes mas, com passar dos meses, ficou claro que o investimento simplesmente já não existia com a coerência e cadência necessária para continuar. Nunca ficou fora de questão voltar a publicar a ONFIRE noutro tipo de formato mas o que é certo é que se passaram 4 anos e as perspectivas de um regresso a um produto com as características com que este projecto fez sucesso durante muitos anos não se materializaram. E assim chegou ao fim uma era…

Muito mudou no nosso mercado desde esta última edição e o surf cresceu como nunca antes, mas a conjuntura continua a não ser propícia ao lançamento de uma revista de surf “core”. Será que alguma vez regressa?

 

 

*em Junho de 2019 saiu uma edição da revista Visão Surf, um projecto liderado por Rodrigo Pimentão e João Valente. Apesar da inegável qualidade dessa revista, foi um projecto editorial desenvolvido para um público mais abrangente e não tão virada para o surfista “core”.

Comentários

4 comentários a “Faz hoje 4 anos desde que saiu a última revista de surf (core) em Portugal”

  1. Tiago diz:

    Bons tempos… 🙂 estudava no Porto e a minha namorada como surpresa comprava a onfire sempre que a via no quiosque da estação de comboios da campanha… Agora devem ser poucos os dias que não vejo o site. Continuem o bom trabalho 🙂

  2. ricardo oliveira diz:

    “Será que alguma vez regressa?” Espero que sim, nem que seja uma edição especial sem regularidade. Talvez para celebrar o título mundial do Frederico 🙂