Era mais um Domingo na Ericeira depois de um mar de tempestade. As ondas não estavam perfeitas, mas rolavam com algum potencial sobre a bancada de pedra e de quando em quando formavam uns tubos para os mais sortudos ou para os mais talentosos. Ele ia surfando com muito power, um estilo bonito, uma base sólida, uma suavidade difícil de encontrar mesmo em freesurf de calções nas águas quentes do índico. Ia alternando entre tubos (os poucos que apareciam), rasgos fortes e diversos ataques às partes maís críticas da via rápida da Baía. Sem grande histerismo deslizava com sabedoria, em sintonia com o mar. Ali estava um surfista que eu já admirava há algum tempo.

Antigamente quando víamos alguém a surfar assim, só podia ser um australiano. Daqueles que têm o surf na veia e fluem tão naturalmente na onda e de forma livre, que só podiam ser australianos. Só podiam ser gajos que nasceram em cima de uma prancha de surf e deram as primeiras rasgadas ainda de fraldinhas brancas e chucha na boca. Mas não era. Era o miúdo de Peniche!

– Estás-te a divertir, vi umas boas tuas,

disse-lhe eu, naquele diálogo de surfistas que já vai sendo raro dentro de água entre desconhecidos, tal é o número de caras maldispostas e poucos sorrisos, ambiente reinante no panorama nacional.

– ya, estão umas com power.

E remou um pouco mais para fora para se posicionar noutra secção de arranque.

Power tens tu, pensei eu. Já tinha visto vídeos seus e agora tinha a oportunidade de o ver nas ondas da Ericeira. Um luxo para mim e à conta de um pequeno deslize dele na etapa do Porto, em que foi eliminado prematuramente, mas onde deixou a sua marca no round 1, com um total de 14.55 pontos (dos mais altos do campeonato), passando para o 2 round atrás do Galego Gony.

Tinha visto o heat e fiquei orgulhoso do surf português. Estava ali um surfista com maturidade. Estava ali alguém que juntava power, rail e manobras modernas. Alguém que pode ensinar à nova geração que há bases que é preciso ter para se passar para outro patamar. Estava ali um exemplo a seguir. Estava ali um excelente surfista.

Estava ali, o Guilherme Fonseca.

 

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Sobre o Autor:
João “Flecha” Meneses | Com quase três décadas de surf nos pés, “Flecha” enquadra dois adjectivos de respeito no surf, “underground” e “Soul” surfer. Originalmente local das ondas da Caparica, João tornou-se residente da Ericeira há mais de uma década e é um daqueles surfistas que não aceita insultos do “Sr. Medo”. Nos seus tempos livres é escritor de mão cheia e esta é mais uma grande colaboração com a ONFIRE.

 

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