Não saber quem é Danilo Couto é não saber nada sobre ondas grandes. Este surfista brasileiro passou grande parte da sua vida no Havai, onde se tornou numa referência no Big Wave Riding. Danilo foi, durante muitos anos, e continua a ser, um dos grandes destaques na área e o seu percurso ficou bem registado no prestigioso WSL Big Wave Awards, onde foi nomeado para todas as categorias e venceu a que muitos consideram a mais importante. Recentemente a sua missão na vida passou a ser dedicada à segurança em ondas grandes, através do programa BWRAG, que tem em vista a assessoria de risco e protecção dentro de água. Com a Nazaré na boca do mundo, Couto e o BWRAG passaram por Portugal para dar o seu contributo a todos os que desafiam as ondas gigantes da Nazaré, e não só. A ONFIRE teve o privilégio de falar um pouco com este Big Wave Rider durante a sua passagem pela fábrica de pranchas da Polen, para saber um pouco mais sobre o seu percurso e projectos.

Danilo, para quem não sabe, fale-nos um pouco do seu percurso como surfista…
Eu iniciei-me em 1985, aos 10 anos de idade, e sou natural de Salvador, Baía, no nordeste do Brasil. Apaixonei-me pelo desporto e não parei mais. Participei de competições amadoras nas categorias de base mas parei de competir aos 18 anos. Continuei a surfar e entrei na faculdade numa época em que me começou a despertar a vontade de surfar ondas melhores. As competições geralmente eram em fundos de areia, praias mais cheias, e na Baía temos ondas com fundos de corais. Foi nessa época que comecei a gostar de ondas mais fortes e tubulares.

O que se seguiu?
Eventualmente eu segui o meu ciclo normal, e veio a minha ida para o Havai. Tinha 20 anos. Eu estava na faculdade de economia, no Brasil, e ia visitar uns amigos em Maui, fazer um curso de inglês na Califórnia e depois ia voltar para o Brasil. Mas quando cheguei no Havai estive com o meu amigo Yuri Soledad e estava a gostar de surfar 6 pés, depois 8 pés. Toda a vez que o mar subia tinha menos gente e eu sentia-me à vontade. Não fui lá procurar uma carreira de ondas grandes mas logo percebi que gostava e ficava à vontade.

 

Como foi a sua gestão de foco entre a faculdade e a vontade de surfar ondas perfeitas?
Teve um dia que eu me lembro muito bem, surfei Pipeline, peguei uns tubos e fui para a aula depois mas não conseguia mais me concentrar. A faculdade estava ficando complicada. Já não dava mais, eu tinha que escolher um caminho. Existia uma crise financeira no Brasil e a moeda desvalorizou, o dólar mais que dobrou e foi a deixa que eu tive de ligar para os meus pais e falar para dar um tempo da faculdade, estava caro. O surf estava me chamando e eu queria fazer isso. Os meus pais queriam muito que eu acabasse a faculdade lá pois faltavam só dois anos. Eu consegui trancar a faculdade um mês e no mês seguinte eu estava surfando e o team manager da marca brasileira Seaway, que hoje também é minha patrocinadora, foi lá. A gente surfou junto e ele me viu novo, viu que gostava de ondas grandes e apostou. De seguida fui logo para o Tahiti três meses, sozinho, acampado. A minha intenção era me especializar para Pipe e ali começou. Foi a minha primeira oportunidade, começou pequeno, mas a dedicação foi total às ondas maiores. Eu conheci tanta gente, aprendi a língua, fiquei à vontade naquela onda que me deu uma base para chegar ao Havai e surfar Pipeline tranquilo. E continuei ali. Tinha uma prancha grande para Waimea e foi aos poucos. Conheci logo o Rodrigo Resende e nos tornamos parceiros, primeiro na remada e mais tarde no tow in. Nessa , era muito Waimea e os outside reefs que se surfava, começamos a fazer as primeiras investidas para Mavericks, em 1999.

E já se falava de Pe’ahi/Jaws?
Bom, ainda estávamos no final da década de 90. Chegou a um ponto que já tínhamos pegado os mares grandes em Waimea, a fechar, Mavericks gigante, era hora do próximo passo. O Rodrigo nessa época acabou por fazer a dupla com o Garrett (McNamara) pois tinham o mesmo patrocinador e ganharam a Tow In World Cup, em 2002. Eles tinham feito a dupla apenas para o campeonato e depois o Garrett foi para o Havai e o Rodrigo foi para o Brasil. Eu e o Rodrigo compramos um jet ski e a gente treinou muito, para nos especializarmos. No Billabong XXL de 2004 (actual WSL Big Wave Awards) parecia que eu ia ganhar mas entrei em disputa com o Pete Cabrina e ele ganhou por um pé. A onda dele entrou no Guiness, tinha 70 pés, a minha tinha 69. Ali tive a oportunidade de melhorar o patrocínio e foi dedicação total, comecei a viajar para novos lugares.

Que impacto teve o XXL Awards na sua carreira e no big wave riding em geral?
Muito grande. Foi um evento que, até hoje, fomenta o surf de onda grande de uma maneira profissional, são os óscares de ondas grandes. A minha carreira foi toda baseada nisso, de 2004 até 2014 fui finalista 10 vezes, e de todas as categorias possíveis. E ganhei em 2011. Ter ganho, remando, com a minha primeira onda grande surfada em Jaws, acho que foi uma lição para mim de que o melhor está sempre lá esperando se você tiver paciência, determinação. Foi um novo marco na minha carreira, ganhei o título máximo e voltei a melhorar as condições de patrocínio.

E quando (e como) surgiu o BWRAG?
Nesse mesmo ano aconteceu um factor determinante para o início de uma nova missão na minha vida. Não só surfar ondas grandes mas também dividir experiências e ensinamentos, baseado mais em segurança. Foi quando o Sion Milosky morreu. Ele estava realmente num nível bem alto, e nós estávamos iniciámos uma amizade, pegando ondas juntos e disputando. A gente foi junto para Jaws e no dia em que eu ganhei o prémio liguei para ele e a gente foi no mesmo voo, cedo, um mês depois estávamos em Mavericks e ele acabou falecendo. Teve uma sessão épica nesse dia, pegou todas as melhores ondas e acabou ganhando um prémio nesse ano, de performance. Isso foi muito forte para mim, eu estava do lado dele, segurando a mão dele enquanto estavam tentando ressuscitá-lo, a gente tem a mesma idade, as nossas filhas têm a mesma idade, fiquei um pouco revoltado porque percebi o nosso despreparo.

Podia ter sido evitado?
Totalmente, e como eu observava muito isso, eu sabia o porquê. Então iniciei um movimento. Fiz um email e passei para todo o mundo. Era sobre como podíamos evoluir na segurança como estávamos evoluindo na performance. Então iniciou ali, o que virou o BWRAG. Falei com o Kohl Christensen, que era muito amigo do Sion e eventualmente fomos falar com Brian Keaulana, que é a autoridade máxima no Havai e no mundo inteiro a nível de resgate. Iniciámos esse trabalho de sentar para analisar o que aconteceu, e o que podíamos fazer melhor. Adicionamos treino de apneia, a parte de emergência médica, a parte de ressuscitação pulmonar e fomos incorporando cada vez mais coisas. Previsão, equipamento, até o que fazer se tudo der errado para, em último caso, fazer o melhor até chegar uma ambulância ou um apoio médico. Na altura era um plano, hoje é uma realidade que trazemos mundo afora faz 8 anos.

Foi o que o trouxe a Portugal?
A vinda para cá foi baseada nas necessidades da Nazaré. Da gente estar a ver isso e, de certa forma, em paralelo com o que aconteceu em Jaws, onde o tow in veio muito forte, depois veio a remada. Houve uma transição e existe uma necessidade. Esse trabalho foi feito muito lá, entre nós, do BWRAG, e o pessoal local. Nos unimos com os irmãos Walsh, que é um grupo de locais de Maui que realmente sabem salvar, começámos a partilhar as experiências, fazendo juntos esse trabalho lá e a replicar aqui essa ideia.

A formação BWRAG é algo que um surfista deveria ter no seu curriculum antes de surfar ondas grandes?
É, inclusive a Patagónia, que produz o colete insuflável, exige que, para se comprar esse colete, tenham creditação BWRAG. A certificação é uma coisa, mas a educação, para saber salvar, para se preparar e para saber evitar, foi uma coisa que a Patagónia achou super necessária e só vende para quem tira o curso. A Quiksilver também nos ajuda de uma certa forma mas, na verdade, somos uma entidade independente sem muito apoio financeiro. No entanto, em vez de ficarmos parados, esperando, resolvemos ir para a frente e o melhor de tudo é que é um trabalho valorizado pelos surfistas mundo afora, que entenderam que vamos criar as nossas soluções, nós mesmos.

Quando é que a Nazaré chamou a sua atenção pela primeira vez?
Lembro-me do Romeu Bruno, que é um brasileiro que se iniciou no tow in muito cedo, e foi salva vidas no Havai, me falando qualquer coisa aqui de Portugal. Eu não prestei muita atenção na época, mas lembro que ele comentou que tinha uma onda aqui gigante. Foi há muito tempo atrás. Passou o tempo e vi o Garrett (McNamara). Ross Clark-Jones também já tinha visto a Nazaré grande. E daí veio toda essa atenção na Nazaré, é uma onda realmente grande e pesada, que atraiu muitos big wave riders do mundo, e muitos novatos também. Começámos a ver de longe muitos acidentes, eventualmente teve o acidente da Maya (Gabeira), e ali já fomos treinando. O próprio Carlos Burle já tinha feito um treino connosco. Daquele acidente aumentou mais a atenção e não viemos logo aqui mas o Garrett ia lá no curso, que é um seminário de 4 dias. Explicava o que se passava aqui e discutimos muitos dos casos que aconteceram. Fizemos uma análise do caso da Maya e a vontade de fazer algo aqui já existia.

O curso deste ano foi o primeiro em Portugal?
Não, eu vim no ano passado pela primeira vez. As duas pessoas que me facilitaram a chegada aqui foram o Garrett e o Nicolau Von Rupp. Me passaram vários contactos e falei o Ramon (Laureano), que já fazia esse trabalho aqui. Trouxe também o Peter Conroy, que já fazia esse trabalho com a gente. É um grande profissional desta área, paramédico e um big wave rider, que faz um trabalho maravilhoso na Irlanda. Coincidiu que “pintou” um swell gigante dois dias antes, foi aquele em que o Andy Cotton se magoou. Então tive a oportunidade de surfar, o que foi óptimo pois deu uns 15 pés. Ficamos na água com jet ski, fizemos resgate, vimos um pouco do ambiente, coisas que podemos melhorar e pontos positivos. Por um lado tem muito a melhorar, por outro tem uma Câmara Municipal que apoia bastante, que tem ali uma pessoa em cima, o Zé Salles, olhando tudo, e tem o Pedro Pisco. É muito satisfatório estar trabalhando com a autoridade governamental.

O que achou a onda?
Com a tecnologia de hoje, parecia que já tinha vindo cá. Eu já imaginava bem como era, onde tem aquele primeiro pico, e o segundo. Chegando aqui, sentindo na pele, tive uma situação clássica que é, pegar uma onda, sair, e a de trás estava logo ali outro cara pegando. Foi perfeito, não vim perseguindo um swell, vim com uma data marcada mas peguei um swell, tive a oportunidade de fazer um pouco dos dois.

Há quem diga que a Nazaré poderá ser o pico de ondas grandes mais consistente do mundo. Concorda?
Concordo, sem dúvida, eu acho que a Europa em geral é muito consistente. Logicamente tem muitos dias de vento forte, mas, até onde eu posso ver, eu acho que Nazaré talvez seja o pico de ondas grandes mais consistente. A fissura que eu tenho de pegar Nazaré bom é enorme e na próxima temporada pretendo chegar aqui cedo, em Setembro, e aproveitar este início de temporada que é muito bom.

O que achou desta pequeno grupo de surfistas portugueses (e alguns estrangeiros) que estão por cá?
O que me fascina aqui é o tanto que ainda se pode evoluir aqui. O que ainda há para aprender. Eu vejo aqui um publico muito fissurado em surf, em geral, não só na Nazaré. Eu sinto que é um dos melhores países do mundo para pegar ondas, com essa constância não só de qualidade mas de tamanho e com muito para crescer ainda. O potencial de Portugal de atletas no futuro… acho que ainda vai ser uma potencia mundial de surf. Não vejo porque não, com esse crescimento, com esse nível de equipamento que se tem aqui hoje em dia. Estou encantado não só com o lugar, mas como povo, a comida, tudo! Realmente eu vivo no Havai há 20 anos e aqui a gente se sente um pouco mais em casa, só alegria.

Sabemos que está a desenvolver um projecto com a Polen. Já pode revelar detalhes?
Bom, nessa primeira vinda, com alguns amigos em comum, como o Ramon e o António Silva, conheci o Álvaro (Costa, proprietário da marca Polen Surfboards), e aí surgiu essa ideia de uma parceria, não só de a nível de equipamento. A Polen hoje tem a licença da marca Pyzel Surfboards, que é um dos melhores shapers do mundo em pranchas de todos os tamanhos e inclusive as pranchas grandes deles são maravilhosas. Daí expandimos um pouco, como podemos trazer para dentro da Polen, não só os atletas do team mas em geral, toda a comunidade de Portugal? Como podemos trazer essa informação mais constante? Através de cursos… Daí surgiu a ideia, vamos dar um apoio à equipe, para a nova geração a todos os níveis, da segurança ou da performance. O trabalho já engloba um pouco mais isso, como temos aí alguns atletas como o João Guedes, grande surfista, que a cada hora está a dar um passo maior nas ondas grandes, já ficámos bastante amigos e já temos óptimas ideias para explorar nas ondas grandes. Até um Martim Nunes, que tem 12 anos e que tive a oportunidade de colocar numa corda e puxar numa ondinha ali na Nazaré para iniciar. Mas antes disso, podermos sentar aqui, e dizer amanhã o surf é assim, vamos nos preparar. Então é isso, esse trabalho educativo, que vai do salvamento, à performance, à concepção de surfar pelo prazer de surfar, pela competição mas também pelo importância de surfar ondas melhores. Com esse treinamento de segurança podemos dar-lhes a condição de ter menos medo, de irem mais seguros. Falamos muito da performance, dos picos, o João tem ajudo nisso, essa interacção, essa troca de informação para fomentar, não só aqui dentro da Polen mas a ideia é continuar esse trabalho aberto. Existe o Danilo Couto, mas e existe o BWRAG, estou trazendo isso tudo aqui para dentro, mas o trabalho aqui dentro de Portugal, em diversos níveis, se inicia agora. O Ramon associou-se agora a nós para fazer um trabalho mais constante aqui desde o nível 1, que é o gerenciamento de risco, técnicas de salvamento seja para o surfista que está ali em Carcavelos, até ao nível da Nazaré que basicamente só se adequa à intensidade e à gravidade, mas a filosofia é a mesma.

E no que toca mais especificamente a material técnico, pranchas, também saíra algo dessa parceria?
Já começamos a desenvolver um equipamento, como eu moro no Havai, tenho um contacto directo com o Pyzel. Já fizemos, está pronta! Estive com o Pyzel lá e trouxe algumas das medidas que uso, uma coisa até mais específica do que eu uso. Começou essa troca de informação, temos feito bastante aqui, estamos o tempo todo olhando medidas e dimensão para aqui para dentro para crescermos juntos dessa maneira!

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