Está de volta ao nosso país alguém que foi muito importante na transição do surf português de uma fase amadora para profissional. Almir Salazar, um surfista que já tinha feito carreira como profissional no seu país, o Brasil, onde o surf estava muito mais evoluído, arrancou para Portugal no início dos anos 90 para trabalhar como shaper na marca Polen e para tentar a sua sorte nos circuitos competitivos do nosso país e da Europa. O seu contributo nem sempre foi reconhecido mas é inegável e a ONFIRE desafiou o ex-campeão nacional relembrar histórias do passado e a fazer algumas comparações sobre o país que deixou há cerca de 20 anos e o que encontrou.

Almir, o que o traz de volta a Portugal depois de tantos anos fora?
O que me traz a Portugal no momento é uma situação que o Brasil vem vivendo, uma insegurança, uma incerteza, tanto na política como na segurança. A economia do Brasil está me deixando muito confuso. Vim aqui fazer alguma coisa mas não imaginava que ia trabalhar novamente com o Álvaro (Costa, fundador da marca de pranchas Polen). Sabia que ele tinha fábrica mas que já tinha a equipe dele. Aí apareceu o convite, “vamos fazer alguma coisa”. Começámos a trabalhar e tenho estado, juntamente com o (Nuno Cardoso) “Surdo” ligado à produção, mas a intenção é fazer alguns modelos e algumas pranchas diferenciadas. Retro, malibu, longboard, para esse pessoal que sai das escolinhas, e até mesmo trabalhar com atletas, é a nossa intenção. Vou ficar aqui o máximo que eu puder.

Quantos anos esteve por cá?
Eu fiquei aqui de 90 a 95 e quando voltei para lá eu vi que, na época do plano real, as coisas poderiam seguir. Com o tempo até que seguiram, mas ao longo dos anos vi que aquilo era ali era uma perda de tempo pois os poucos anos que passei em Portugal foram muito bons. Em termos de economia, segurança, educação. Naquela época eu sentia que daqui eu não sairia mais. Mas pelos problemas que a gente foi vivendo naquela altura eu acabei voltando. Passei por cá em 2002, 2003, 2008, 2013 e agora realmente quis voltar de vez. Eu tenho os meus filhos que são daqui e ficaram sempre cá e essa distância me fez perder uma boa fatia da educação deles. Hoje eu tento resgatar isso e vejo que Portugal é um país diferente daquele que conheci há 20 anos atrás.

Quais são as diferenças que achou mais visíveis?
No surf houve uma evolução muito grande. Hoje vê-se muito mais praticantes de surf e na altura tinha muito bodyboarder e o longboard estava evoluindo. Hoje vê-se muito pouco de ambos. Outra coisa que vejo pouco aqui é o Stand Up Paddle. Juntamente com a evolução do surf também as marcas evoluíram, as pranchas evoluíram, os shapers e os praticantes. Hoje vemos muitos praticantes por aí despontando para o cenário mundial, coisa que não tinha naquela época.

Era de esperar uma evolução destas, passados 20 anos, ou superou a expectativa com que ficou quando regressou ao Brasil?
Naquela minha época, quando eu vim “correr” (o circuito) aqui tinha uma barreira muito grande. Se não fosse português eu não conseguia competir. E isso era muito ruim porque não só eu como poderia ter vindo um californiano, um peruano, um mexicano… outro atleta de outro país e não poderia ter corrido o circuito. Podia correr o circuito europeu, mas não o nacional. Por você fechar as portas dentro do seu país… podia até colocar nas regras que ia correr e não podia levar o título e o prémio, apenas ia correr. Esse surfista ia fazer evoluir o surf do país. Na minha altura parecia que eu vinha aqui para levar o prémio de alguém, na verdade eu vivia do surf e vivia no país. E eu penso assim, quando você trava tudo isso, você também deixa de evoluir o teu desporto. Comigo foi assim, depois foi o mesmo com o Justin (Mujica) e assim sucessivamente. Eu acho que se travava a evolução do desporto no país. Com o tempo isso aí foi se moldando. Não surgiram tantos atletas porque o país também é menor que o Brasil, Estados Unidos e Austrália. Para o tempo que passou poderia ter muito mais atletas, mas eu acho que de há cinco anos para cá o número aumentou muito e agora parece que esta geração vai despontar e tirar frutos do surf português como nunca.

Como é o surf português hoje visto no Brasil? Que informação de Portugal chega lá fora?
Olha só, acho que Portugal começou a aparecer um pouco mais com o Tiago (Pires) porque ele foi para o CT. Isso deu um upgrade na história do surf português. Ele era muito amigo do “Mineirinho” (Adriano de Souza) e isso falava-se muito nos media lá. Todas as matérias eram em cima dele. Logo de seguida, depois desse tempo do CT, apareceu a Nazaré com o (Garrett) McNamara. E esses novos surfistas profissionais que estão a competir e estão aparecendo e incomodando os “caras” lá fora. Junto com essas ondas que eles não acreditavam que podiam pegar aqueles Supertubos quebrando perfeito, os caras ficaram malucos, aquele primeiro ano foi maravilhoso. Todo ano tem uma etapa forte aqui em Portugal e acho que o país entrou de vez no cenário do surf mundial.

A sua presença foi “instrumental” na transição do surf português de uma fase amadora para profissional. Pode nos contar como se procedeu essa evolução?
Antes de vir, eu nunca imaginava que um dia iria para Portugal. Eu tinha o patrocínio da Lightning Bolt na época e me fizeram a proposta de vir para competir e shapear. Na altura não estava bem no circuito mundial nem no brasileiro e “topei”. Cheguei aqui, o Álvaro me recebeu, e comecei a trabalhar na Polen e a competir. Logo no primeiro campeonato que corri eu vi que era uma prova bem estruturada mas tinha uma premiação em roupa e pranchas. Eu vinha já de um profissionalismo no Brasil onde já existia esse lado financeiro, qualquer campeonato, paulista, brasileiro, internacional… “rolava grana”. Só não havia “grana” nos campeonatos amadores e foi isso que eu encontrei aqui em Portugal. Esse campeonato na Praia Grande tinha ondas de 2 e 3 metros. Foram dois dias remando para subir no pódio e ganhar uma placa, uma medalha, uma camisa e um chinelo. Depois me convidaram para ir em outro campeonato, no Norte e fui com o Álvaro, João Antunes e Dapin. No caminho eu expliquei para eles que nós éramos a atracção do campeonato e que tinha de ter dinheiro. Mesmo que fosse 100 ou 150 euros para o primeiro, 50 para o segundo, 30 para o terceiro, já pagava a viagem. Eu expliquei que nós estávamos a pagar a inscrição, gasolina, hotel, alimentação… Gastar isso tudo para ganhar uma camiseta? A gente chegou na praia e reivindicou tudo isso e o cara mudou a história, já deu dinheiro para a gente. Os portugueses começaram vendo a coisa de maneira diferente. E eu fazendo toda essas reuniões para ver se se mudava o surf de amador para profissional pois já não era “molecada”, já não eram miúdos de 16 anos a competir. No ano seguinte já havia dinheiro e quando “virou” o ano de 91 para 92 fizeram o circuito nacional. Fizeram cinco etapas, todas com prize money. Foi aí que os outros competidores, quando começaram a ver mais dinheiro, começaram a ver que eu era um cara que ia atrapalhar eles. Eu que os ajudei a mudar o pensamento, já incomodava porque tinha possibilidades de ganhar as etapas.

E o que se seguiu?
No meio do ano houve uma reunião e queriam que eu apresentasse um BI português, pois se não fosse português realmente eu não poderia mais correr. Mas como eu era casado e a minha mulher era filha de portugueses a gente averbou o nosso casamento aqui e automaticamente fiquei com passaporte e BI português. Quando chegou a etapa seguinte tinha 10 ou 15 surfistas “botando” o organizador contra a parede. Quando chegou o meu heat ele veio ter comigo e me disse que se não tivesse BI não ia entrar. Eu disse que tinha, tirei do bolso e entreguei, “está aqui”. Entrei na água e ganhei a etapa, a de Santa Cruz.

E como foi garantir esse primeiro título nacional?
A etapa final era na Ericeira, em Ribeira D’Ilhas. O mar estava grande, devia estar uns 3, 4 metros. Nesse campeonato acabei por ganhar o título, não pelo meu mérito, pois eu estava mal na bateria, mas o João Antunes fez uma interferência e acabou em 4º. No fim do heat não se sabia se tinham dado interferência ou não, mas deram e eu passei para segundo e fiquei com o título. Foi um ano muito marcante na minha vida, e talvez na história do surf português. Em 95 decidi voltar para o Brasil. Deixei o circuito quando estava liderando o circuito, vendi tudo e fui. Hoje, para mim, penso que foi um erro, devia ter ficado aqui.

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