Quando se fala nos melhores surfistas lusos da actualidade, não se pode ocultar o nome de Filipe Jervis. De facto Filipe está entre os melhores há quase uma década, apesar de não ter tido tanto sucesso na arena competitiva como quando era júnior (e foi vice-campeão do competitivo circuito Europeu Pro Junior). Entretanto o surfista do Guincho foi-se dedicando a fazer grandes produções de vídeos de free surf e eventos, mas sempre com um pé na competição. Apesar de ter ficado sem patrocínio principal nos últimos dois anos, Jervis não largou o circuito e em 2018 surge como um dos principais candidatos à vitória na Liga MEO Surf. A ONFIRE aproveitou o momento para meter a conversa em dia com este surfista e saber mais sobre a excelente fase que atravessa.
Filipe, há 2 anos deixaste de ter um main sponsor pela primeira vez na tua carreira. Que impacto isso teve em ti?
Honestamente, ficar sem patrocínio foi um choque porque ao fim de 8 anos com patrocinador principal e depois da ligação que criei com a Ericeira (Surf & Skate)… foi complicado. Principalmente porque perdi o meu income financeiro e tive que me virar para outros lados. Fui dar treinos e aulas e estive a fazer um curso de marketing, portanto não foi muito fácil. A vida dá estas voltas, o meu primeiro contrato foi por dois anos, depois assinei por três e a partir daí foi sempre anualmente. Chegava a Novembro/Dezembro e era sempre aquele aperto no coração. Mas estou super feliz, a Despomar continuou a apoiar com a Dakine, FCS, Xcel e VonZipper e tinha também o patrocínio da Mica Surfboards, que me tem ajudado muito. Hoje em dia não sou profissional mas tenho o essencial. A ligação não se cortou, continuo muito ligado à Despomar e fico muito feliz com isso porque ao fim destes anos todos é como se fosse família. Tenho um carinho enorme por toda a gente, foram pessoas que me ajudaram muito ao longo dos anos e isso é a principal razão pela qual eu continuo ligado a eles de alguma maneira. Não há condições financeiras de me patrocinarem a 100% e eu compreendo isso, o mercado está difícil. Obviamente que me custou bastante, desapareceu o sonho de ser surfista profissional e tive que ir à procura de um plano B, mas cá estou. 2017 foi um ano de transição, muito complicado, andei em baixo, muito triste e perdido e felizmente encontrei o meu caminho, encontrei-me como pessoa e estou feliz.
Actualmente estás na melhor posição da tua carreira na Liga MEO Surf, a que achas que se deve este pico de forma? Tens feito alguma coisa diferente em termos de treino ou rotina?
É verdade, está a ser o meu melhor ano de sempre na Liga. Há uns anos acabei em 5º lugar mas acho honestamente que a grande diferença este ano foi a paixão que eu voltei a ganhar pelo surf. Depois de perder o patrocínio tive que me organizar, arranjar trabalho e maneira de sustentar a minha vida e acabei por desfocar muito do surf. Senti mesmo que ganhei alguma aversão ao surf, não queria surfar, não queria ver surf à frente. Estava chateado e curiosamente o único resultado que tive no ano passado foi depois de ter vindo de uma viagem de três semanas em Bali. Vinha com o surf no pé. Custa sempre menos com água quente e ondas boas todas os dias. Estive num ambiente super positivo de surf, acabei por ganhar algum ritmo e quando cheguei à prova de Cascais fiz um 5º lugar. Eu acho que foi essencialmente isso, o amor e a paixão que voltei a ter pelo surf, e a pica. No ano passado estava a dar treinos pela Outside Surf Project, graças à ajuda do (Henrique) Quartin e do Rodrigo Sousa, o que ajudou-me muito e a quem agradeço imenso a oportunidade que me deram mas acabava por ocupar muito da minha vida e foi complicado conseguir gerir o surf com treinos e aulas para dar. Foi ali um conjunto de situações que me tiraram completamente a cabeça do surf.
O título nacional é um objectivo no qual estás muito focado?
Não estou muito focado nesse objectivo mas obviamente que se tornou real. Nunca foi uma coisa em que estivesse envolvido, nunca fui um candidato ao título, portanto por um lado estou contente com isso. E como não lido muito bem com o spotlight até é bom o Gony (Zubizarreta) ser o primeiro e não eu, parece que vai ser ele o campeão e não eu. Sendo muito honesto acho que vai ser muito difícil ganhar-lhe pois ele já tem dois segundos e um primeiro. Mas na realidade eu estou muito confiante no meu surf e nas minhas pranchas e sinto que muito depende de mim. Não é apenas de mim porque há muito à volta, grandes surfistas, o julgamento, as ondas, o que torna a coisa mais desafiante mas tenho que chegar lá e fazer o meu surf como tenho feito. Estou contente porque nota-se realmente que dei um passo a nível de maturidade no que toca à maneira de lidar com a competição. Consigo desligar mais os pensamentos negativos e focar-me mais naquilo que interessa, que é o meu surf, os heats, ser inteligente. Mudei numa coisa muito importante, tenho tido muitos heats acabados com trocas de ondas no final, e ao contrários dos outros anos, não desisto. Estou lá, a lutar e sei que se precisar da nota vou fazê-la, o que me dá alguma motivação. E depois também há, não sei se é verdade ou não, a possibilidade de ter um wildcard para o CT, isso para mim dá-me uma motivação extra, acho que é o sonho de qualquer surfista, ser wildcard para o CT. O CT é o CT e dava tudo para poder estar lá com eles e demonstrar o meu conhecimento nos Supertubos, isso para mim era o meu sonho ainda mais que ser campeão nacional.
Fala um pouco sobre os teus resultados no Porto e Figueira, quais foram os momentos mais memoráveis para ti?
Foram dois campeonatos muito interessantes. Comecei o Porto super nervoso e notava-se isso. No meu primeiro heat acusei muito nervosismo e é sempre o heat em que tenho mais medo. Depois vou crescendo ao longo do campeonato, vou evoluindo e vou fazendo scores cada vez melhores e ganhando confiança. Tive pena porque no Porto realmente deu umas ondas boas e na minha meia final com o Gony vacilei, podia ter passado. Não tenho nenhum momento alto do Porto, fiz bons scores e fiquei feliz com isso. Na Figueira tenho alguns pontos negativos que me marcaram mais que os positivos. Custou-me um bocadinho ter perdido para o João Kopke, que é um miúdo de quem eu gosto imenso e com quem tenho vindo a surfar com “praí” desde os seus 11 anos, mas na realidade não gostei muito porque o último dia de campeonato senti que foi um vacilo da parte da organização. O mar estava mau quando chagámos à praia, adiaram o check in, depois era para começar às 9:30, depois era às 9, depois era num pico diferente com a maré a vazar, depois meteram os groms, depois as mulheres, a maré foi vazando, o mar a piorar. No fim do meu heat com o Zanguito (João Kopke), onde houve 15 minutos sem haver ondas, pararam. Não tirando o mérito… mas tirou a possibilidade de poder dar um bocadinho mais de luta. À tarde, quando começou a encher começaram a dar altas ondas, foi quando fizeram as duas finais e tivemos a entrega de prémios com altas ondas a rolar. Isso custou-me um bocado. Fiquei com um 3º lugar, o que não é mau, mas sabia que estava em jogo a possibilidade de passar para a final e de melhorar a minha posição no ranking, Senti que se tivesse outra oportunidade e um tipo de ondas como estiveram mais cedo ou mais à tarde, a coisa ia correr melhor e ia ter mais oportunidades de lutar contra o resultado.
Sabemos que também não ficaste contente com o julgamento…
Todo o julgamento do campeonato da Figueira foi muito estranho, há muito tempo que eu não via tanto barulho na praia cada vez que saía uma nota. Acho que os juízes deviam voltar a rever e a perceber a essência do surf e o que querem porque nós andamos todos meio perdidos. Não é fácil para os surfistas acharem que fizeram um certo tipo de onda e quando vão a remar para fora sai uma nota muito baixa, ou uma nota muito alta, confunde muito. Nesse sentido não foi muito positivo. Agora, o ponto alto desse campeonato, para mim, foram os quartos de final com o Vasco (Ribeiro), toda a gente sabe que ele é dos melhores surfistas que há em Portugal e deu-me um prazer enorme ganhar-lhe. Fiquei muito orgulhoso com a atitude dele, passámos bastante tempo juntos e veio-me dar um grande abraço ainda dentro de água e depois veio dar-me os parabéns novamente.
Sabemos que iniciaste um projecto novo, fala-nos disso e de outros objectivos que tenhas além da Liga…
Este ano comecei o meu projecto, o Jervis Surf Experience. Tenho uns quantos miúdos, um grupo à volta de 8 alunos. Continuo a dar treinos mas felizmente tenho muito mais tempo livre e acabo por surfar muito com eles, vou sempre para dentro de água e divirto-me imenso. Dá-me muita motivação e tenho uma relação super chegada com eles, quase de irmão mais velho, portanto acabo por ganhar uma paixão e uma vontade de surfar que não tinha. Além disso gostava de viajar um bocadinho mais, ainda não sei bem para onde. Tenho também jogado muito à bola. Para quem não sabe, na altura que comecei a fazer surf tive que decidir entre o surf e a bola. O futebol ficou para trás e durante muitos anos não liguei e não quis jogar. Há coisa de 2 ou 3 anos tenho vindo a jogar cada vez mais e voltei a ganhar uma paixão enorme pelo futebol. É um desporto de contacto, há possibilidade de ter lesões mas acho que nunca me senti tão bem fisicamente, acho que tem sido uma grande ajuda no surf. Estou com uma boa preparação física e ganhei uma coisa que nunca tive, (força nas) pernas. Sempre fui um “trinca espinhas”, sempre gozaram muito com os meus “canivetes” mas na realidade estão um bocadinho mais fortes e desenvolvi músculos que nunca tive e isso tem me ajudado imenso no surf.
https://vimeo.com/216333222
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