O surf de ondas grandes está em grande ascensão no nosso país, contando inclusivamente com uma mão cheia de surfistas já muito bem estabelecidos e reconhecidos a nível internacional. E, depois de João Macedo, António Silva, Hugo Vau, Nicolau Von Rupp, Alex Botelho e João Guedes, terem aberto as portas e/ou mantido o surf nacional em grande progressão nessa área, surge uma próxima geração, pronta para seguir as pegadas dos que vieram antes e, possivelmente, continuar a quebrar barreira. Entre eles está Lourenço Katzenstein, um dos surfistas que mais tem crescido no meio das ondas grandes nos últimos anos e que se prepara para um futuro promissor nas “montanhas de água”. Fica a saber um pouco mais sobre este local da Ericeira com o surf no seu ADN…

 

 

A tua família está muito ligada ao surf, qual é a memória mais antiga que tens do surf e com que idade te iniciaste?
Sim, tenho a sorte de ter crescido numa família com um pai surfista, que foi a minha grande motivação para começar a surfar quando era criança. Creio que tinha 4 anos quando comecei, era minúsculo, basicamente o instrutor punha-me em cima da prancha e empurrava já comigo de pé.

Fala um pouco da tua experiência de crescer na Ericeira como surfista.
Crescer onde cresci, para mim, foi perfeito. A minha casa de família de infância era em frente do mar, e eu tive a sorte de ter crescido a ver o mar todos os dias mesmo à frente de casa. Quando comecei a ficar um bocado mais velho e com mais experiência, comecei a ir ao surf sozinho. Foi uma grande ajuda pois era pequeno e não tinha meio de transporte, mas tinha a facilidade de viver perto de spots como a Pedra Branca, Backdoor e Reef. Muitas vezes eu vestia o fato em casa e ia a correr já de fato vestido.

Uma carreira no surf sempre fez parte dos teus planos?
Não fazia parte dos meus planos porque desde muito novo apercebi-me que não gostava de competição. Eu adoro surf e faço-o por diversão, por gosto, não por obrigação. Quando percebi que não gostava da competição, de surfar em mar mau e on-shore, ou sem ondas, que é o que acontece na competição muitas vezes, percebi que não queria fazer disso vida. Mais tarde, quando tinha 14 anos, comecei a ver filmes de surf com ondas grandes e percebi que era uma das coisas que eu adoraria fazer mas na altura ainda não era carreira. Quando foi a “descoberta” da Nazaré pelo Garrett McNamara, quando houve esse boom da Nazaré, é que começou a surgir a carreira de surfistas de ondas grandes, mas antes disso eu nunca tinha pensado sequer no surf como carreira.

Quando começou o teu foco em surfar ondas grandes?
O meu foco nas ondas grandes começou por diversas razões. Em primeiro lugar porque eu não gosto de crowd, onde toda a gente dá voltinhas e gritos e essas coisas. Não me importo nada quando é crowd que está a respeitar e está tranquilo e estamos todos na água a curtir altas ondas, mas quando há confusão eu odeio. Desde muito novo que surfava em Ribeira D’Ilhas, era o meu spot habitual, mas havia muitos dias em que eu me fartava daquilo, pegava nas minhas coisas e ia para a Pedra Branca, ou o Reef, e na altura aquilo mal tinha crowd. Comecei a ir para essas ondas, de maior consequência, ondas mais rasas, com mais força, mais cavadas e a tomar-lhe o gosto. Comecei a perceber que naquele tipo de ondas não havia tanto crowd, comecei a divertir-me mais e a gostar mais dessas ondas. Ao mesmo tempo tive uma sessão com o (Zé) Pyrrait, que era o meu treinador de surf, que mudou também a minha vida. O mar estava bem grande, para mim, para a minha idade, e foi uma sessão que nunca me vou esquecer, trouxe-me uma adrenalina brutal e sensações que ainda hoje me lembro. Mais ou menos tudo na mesma altura havia um DVD de surf da Billabong, o “Solid”, que é um filme de uma sessão em Teahupoo, que mudou a minha vida. Eu vi aquilo e fiquei a pensar “o que é isto? Que ondas são estas? Como é que é possível, eu quero fazer isto!” Com todas estas coisas em conjunto eu comecei a querer surfar ondas maiores, começar a fazer tow-in e começar a pegar em guns e querer fazer ondas maiores e tudo mais.

Como dirias que é o estado do big wave surfing em Portugal, é possível fazer vida como surfista de ondas grandes?
Em Portugal felizmente temos altas ondas, altos spots de big waves para puxarmos os nossos limites, mas acho que não há muito investimento nos surfistas portugueses de ondas grandes. É possível fazer-se vida de big wave rider em Portugal, mas muitas vezes como estrangeiro. Há imenso dinheiro na Nazaré, tens muitas pessoas que, em muitos casos nem são grandes surfistas, mas são estrangeiros e vêm para a Nazaré e conseguem apoios e patrocínios que muitas vezes um português não consegue. Claro que depois tens surfistas incríveis como o Nicolau (Von Rupp), o Alex Botelho, o Hugo Vau, que têm também esses apoios e conseguem chegar lá, mas é mais difícil. Eu sinto muitas vezes que é mais difícil para mim enquanto português destacar-me na Nazaré que se fosse estrangeiro. Eles muitas vezes chegam cá, nós levamo-los e ajudamo-los, e depois, sendo eles estrangeiros, fazem uma onda e aparecem logo em todo o lado. Não sei o porquê disto, mas sinto que isto acontece muito. Uma prova disso é todos os campeonatos que houve da WSL aqui na Nazaré. Supostamente pelo rule book da WSL existem 6 willdcards para dar, que normalmente são sempre a surfistas locais. Tu vais ao Havai e esses wildcards são todos alocados a surfistas locais, quando vais a Mavericks esses wildcards são todos para surfistas locais e aqui em Portugal isso não acontecia. Tu tinhas surfistas portugueses de ondas grandes que não recebiam esses wildcards, que eram dados a ingleses, havaianos, outras pessoas que não surfistas portugueses. Logo aí é uma prova de que é difícil para um português fazer o big wave surf cá em Portugal.

Quais são os teus patrocínios?
Atualmente faço parte da família Sumol, que são dos meus grandes motivadores. Quando, há uns anos, consegui o patrocínio deles isso motivou-me imenso para conseguir puxar mais e acreditar mais em mim. Conto também com o patrocínio da 58 Surf, que foi mais um patrocínio como o da Sumol que assim que eles falaram comigo e que começamos a trabalhar juntos motivou-me novamente imenso, a lutar mais. Tenho também o apoio da DaKine, e da Xcel, e assim consigo contar com o melhor equipamento técnico para preparar as minhas pranchas e não passar frio na água, na Nazaré estamos sempre muitas horas dentro de água ao frio, com chuva, com vento. E agora mais recentemente surgiu um novo patrocínio, criei uma equipa com o meu parceiro na Nazaré, que é a Red Herrings, e arranjámos um patrocínio para a equipa. Não é meu pessoal mas vai ajudar nos próximos anos a suportar toda as despesas na Nazaré. Até agora, eu para além dos patrocínios que tenho, trabalho imenso para ter dinheiro para suportar esta minha paixão, que é isso mesmo, uma paixão que eu tenho. O patrocínio que conseguimos que é da Smile Wave fund, um fundo suíço que vai ajudar a conseguirmos surfar muito mais vezes, estar presente em muito mais sessões, o que para mim vai ser incrível porque me vai ajudar a evoluir cada vez mais e superar-me, que a mim é o mais importante neste caminho todo, é estar em constante aprendizagem e auto superação.

 

 

Tow-in ou remada? Há espaço para os dois?
É uma das perguntas que mais me fazem, qual gosto mais de fazer. Eu gosto dos dois, são desportos completamente diferentes, na remada é sem dúvida onde eu sinto mais ligação com o mar, com o oceano, com as ondas. Estou ali sentado na minha prancha, à espera da minha onda, tenho que fazer o meu posicionamento. É uma curva de aprendizagem muito mais lenta e trabalhosa mas ao mesmo tempo, mais recompensadora porque quando estou ali basta-me apanhar uma onda boa que me faz a sessão ou, às vezes, a temporada. Adoro mesmo a sensação de apanhar uma onda a remar. O tow-in é um desporto completamente diferente, é o outro lado da moeda, conseguimos ter uma evolução muito mais exponencial porque, lá está, enquanto que na remada já houve sessões na Nazaré em que apanhava uma, duas, três, quatro ondas, às vezes até nenhuma onda, no tow-in é ao contrário. Estamos constantemente a apanhar ondas, o que nos permite evoluir muito mais. O que é difícil no surf é a quantidade de tempo que nós passamos em pé em cima de uma onda, portanto o espaço que temos para melhorar, temos que aproveitar e em tow-in estou sempre a apanhar ondas, o que me permite evoluir muito mais e é uma diversão brutal. Consigo ter uma abordagem à onda muito mais crítica e radical do que quando estou a remar. Consigo fazer linhas que com uma gun não conseguiria.

Qual fazes mais?
Gosto sempre de fazer os dois, há dias que me dedico só à remada e há dias que me dedico só ao tow-in e há dias que faço os dois. A única coisa que tem que haver é respeito. Obviamente que há regras implícitas quando estamos a surfar ondas grandes, ao contrário das ondas normais, dá para seguirem vários surfistas na mesma onda, desde que haja segurança. Ou seja, para mim o mais importante ali a surfar ondas grandes é divertir-me e manter toda a gente em segurança. Não só a mim mas a todos os outros surfistas com quem eu estou a partilhar o line up, portanto, se vem alguém na onda numa zona crítica que não há espaço para eu dropar essa onda a remar, eu não vou dropar. Mas se estamos ali dois surfistas, vem uma onda que conseguimos dropar os dois, quer seja eu que tenha a prioridade ou ele, nós vamos os dois, se houver espaço para o fazer em segurança. Relativamente ao tow-in, como há tantas possibilidades de apanhares ondas, creio que não há tanto esta situação da partilha, normalmente aí os surfistas já voltam mais à regra comum do surf de um surfista por onda, claro que muitas vezes também há espaço, e acontece mas não tanto como a remar, e creio que o mais importante no tow-in é haver respeito pelos outros surfistas, tanto os que estão a remar como os que estão a fazer tow-in.

Com quem fazes dupla nos dias de tow-in?
Eu faço dupla com o Francisco Roque de Pinho, é o meu parceiro de ondas grandes já há alguns anos. Ele é a minha dupla não só nos dias de tow-in mas praticamente todos os dias porque ele não faz tanta remada como eu e a maior parte dos dias em que eu estou na remada ele está na mota de água e abdica da sessão dele para fazer a minha segurança. De ano para ano vê-se o desenvolvimento do nosso trabalho, no final da sessão passada já estávamos cada vez a apanhar mais e melhores ondas. Ajuda-nos a melhorar um ao outro, as sessões que temos tido têm corrido incrivelmente bem, apanhamos altas ondas, imensas ondas. Este ano está a ser muito recompensador, ao fim de alguns anos de trabalho já estamos os dois a curtir imenso, a apanhar altas ondas e isso só se consegue depois de anos de trabalho em equipa, como surfista e como piloto e resgatador.

Como é o teu quiver?
Eu estou constantemente a experimentar pranchas, adoro experimentar pranchas dos meus amigos, quer seja de tow-in ou remada, aproveito essas oportunidades porque eu estou em constante trabalho com o Nick (Uricchio), com a Semente, para desenvolvermos novas pranchas, pranchas melhores que me permitam divertir-me mais e aproveitar mais o tempo que tenho na água. Tenho andado a desenvolver novos modelos de gun, há dois anos cheguei a uma prancha incrível, com a qual apanhei um tubo gigante em Roca Puta, que era o meu objetivo, apanhar o maior tubo da minha vida a remar. Desenvolvemos uma prancha em conjunto a pensar nesse propósito e concretizou-se com essa prancha que desenvolvemos. Desde aí já consegui novas coisas dessa prancha que achei que não consegui dela e voltei a desenvolver com o Nick um novo modelo com base nessa prancha, que acabei por experimentar este ano e foi de longe a melhor prancha que já usei em ondas grandes. Para mim é super gratificante ter um trabalho próximo com o meu shaper e com a Semente, que me permitem chegar a estas pranchas que vão me dar sempre mais confiança para, quando chegar o dia, eu puder ter a performance que eu quero, e conseguir fazer as coisas que eu acho que consigo fazer. Também temos desenvolvido de tow-in também desde há muitos anos para cá, começamos com pranchas para slabs, porque é o que eu gosto mais. Eu vejo muito a Nazaré como um local de treino para depois ir a outros sítios e ter a performance que eu quero. Tem dado os seus resultados, tanto é que nas viagens que tenho feito apanhamos altas ondas por causa do trabalho de casa que fizemos na Nazaré.

Como é o teu dia a dia?
Eu não tenho uma rotina fixa. Como qualquer surfista estou dependente do mar, portanto eu quero é passar o máximo de horas possível dentro de água com boas condições. Se está uma semana de mar perfeito eu estou a semana inteira a acordar de noite, surfar o dia todo, deitar-me cedo e no dia seguinte acordar de noite outra vez e repetir. Se está uma semana de mar menos bom aproveito para treinar mais. Claro que numa semana de mar perfeito tento sempre continuar a treinar, numa semana de mar mau tento sempre continuar a surfar, mas o foco vai sempre pender das condições do mar, ou seja, o surf não é um desporto como o atletismo por exemplo, onde eu tenho a pista para treinar e posso definir o horário. Como não estou numa fase de 100% profissional, pagam-me para surfar mas ainda não é o suficiente para sustentar a minha vida, tenho que ter outros trabalhos e no verão, por exemplo, trabalho imenso. Tenho uma escola de surf, a Semente Surf School e, no inverno, mesmo nos dias em que estou dedicado ao surf. estou muitas vezes a pensar em trabalho e acabo por tratar de algumas coisas, emails, telefonemas. Trabalho muito com vídeo, com amigos meus que têm produtoras e que precisam de cameras e editores e que me chamam para isso. Felizmente consigo conciliar tudo e aproveitar os dias bons para surfar e ter tempo para surfar, que é o que eu quero, e quando o mar esta pior, além de treinar mais, concentrar-me um bocadinho mais no trabalho.

Nazaré com 20 pés ou Cave com dois metros, qual é o mais perigoso?
É uma pergunta difícil, eu creio que a cave com dois metros é mais perigoso. A realidade é que na Nazaré nós fazemos muita gestão de risco, eu sei o tamanho das condições, conheço bem a praia, e temos medidas de segurança atrás de medidas de segurança. Para que, quando as coisas correm mal, conseguirmos controlar a situação, com 20 pés é um tamanho razoável e super divertido. Cave com dois metros podes fazer o que quiseres, podes te preparar da maneira que preparares mas, se cais, tens sempre ali o fator da rocha que não controlas e se bateres da maneira errada na rocha a sessão pode acabar muito mal. Portanto é uma onda muito perigosa enquanto que a Nazaré, se estás lá com essas condições é porque te preparaste. Se eu cair, vou levar o caldo, vou aguentar, estou preparado. Estão lá as motas de apoio, se as motas de apoio falharem, como já aconteceu, vou levar com as seguintes mas eu estou preparado fisicamente e mentalmente, tenho medidas de segurança, tenho os coletes que usamos. Temos algum controlo sobre a situação e na Cave podes facilmente estar numa situação sem qualquer controlo. e isso é o que me mete mais medo.

Referências…
Desde muito novo que tive a referencia do Nicolau (Von Rupp). Ele também fazia parte da equipa da Semente e é mais velho que eu, portanto sempre olhei para ele como uma referência. Tinha também a referência do Alex Botelho, que vinha muito cá à Ericeira, e que depois quando começou a surfar na Nazaré tonou-se ainda mais numa referência para mim. Fora de Portugal creio que as maiores referências são o Kai Lenny, sem dúvida para mim um super herói do surf das ondas grandes e estou sempre a ver, ou a tentar ver tudo o que ele faz e aprender. Gosto imenso de o ver surfar, as linhas que ele faz, o que ele faz nas ondas grandes está realmente anos luz à frente de toda a gente e outras referências internacionais acabam por ser também o Lucas Chumbo, que está aqui perto de mim e consigo vê-lo pessoalmente muitas vezes a surfar. E sem duvida a Justine Duponte, que é também das maiores referências que eu tenho e felizmente eu também a consigo ver a surfar ao vivo e aprender muito com ela.

Quais são os teus objectivos para o futuro?
Para mim o maior objetivo é continuar a aprender, a melhorar e a superar-me. Eu sou muito auto-competitivo, eu mais do que competir com as outras pessoas compito comigo próprio, portanto eu quero é melhorar a minha prestação. Quando já fiz uma coisa, e sei fazer uma coisa e repito o que fiz, para mim não está bom, quero fazer melhor. Se eu já mandei um tubo de uma maneira e fizer outro igual, não está bom, eu quero é fazer um maior e melhor, portanto acho que esse é o principal objetivo. Agora objetivos mais concretos para mim, são sem dúvida ir surfar slabs de tow-in, e em particular os slabs da Austrália. É o meu maior objetivo/sonho, passar lá uma temporada, ou um swell, e conseguir apanhar aquelas ondas porque as minhas referências de ondas grandes quando eu era mais novo, eram sempre os australianos, não tanto os havaianos, como para a maioria das pessoas. Eram surfistas como Mark Mathews, Koby Abberton, para esses todos, que eram as minhas referências sem dúvida…

 

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