Mesmo com uma agenda ocupada conseguimos falar um pouco com o português melhor classificado nos circuitos da WSL nos últimos anos, Frederico Morais. Muito se passou desde a última entrevista mas uma série de resultados sólidos no Championship Tour, algumas derrotas apertadas, uma lesão, a saída do tour por apenas um lugar depois de ter estado o ano todo dentro do “cut” da qualificação e uma vitória no circuito QS são alguns dos momentos que mais sobressaem. No entanto nada parece afectar o surfista Cascais, que está pronto a voltar para a elite do surf mundial.

Frederico, apesar dos altos e baixos, tens mencionado 2018 como um bom ano na tua vida e carreira. Queres falar um pouco sobre o ano passado?
Eu gostei do ano que tive e como já disse antes, acho que o surf que eu fiz não reflecte o lugar onde acabei. Acho que tive vários heats decididos por décimas e no fim do ano se tivesse passado mais dois ou três desses heats tinha acabado em 16º ou 17º e estávamos aqui a ter outra entrevista. Mas isso não aconteceu e acho que mais vale tirar o positivo e o negativo dessas situações, aprender e seguir mais forte.

O teu ano ficou muito prejudicado pela lesão que contraíste no fim do ano. Como aconteceu?
Foi numa sessão de free surf em Pipeline. Entrou uma daquelas ondulações grandes e eu estava na água há três horas, a treinar para a etapa de Pipe. É uma etapa importante e cada surfada que eu fizesse ali seria uma mais valia para a minha prestação no campeonato. Apanhei uma onda para sair em que dropei meio atrasado e, quando ia meter para dentro, vi o lip a vir e tive que decidir se me mandava, e ia ser uma grande queda, ou se tentava meter para dentro e escapava ao lip ou era esmagado. Mas lip caiu-me em cima comprimiu-me o tornozelo, que pressionou a prancha até a partir ao meio.

Percebeste de imediato que era algo grave?
Quando vim a cima já senti o pé todo solto mas pensei que poderia ter sido só da pancada e já passava. Apanhei uma carreirinha com o bocado da prancha que me sobrou e quando tentei apoiar o pé para me levantar, o pé falhou e eu caí logo. O Jordy (Smith) estava a chegar à areia à mesma altura e levou-me em ombros e depois veio a moto-quatro levar-me até à casa da Billabong. Quando chegou o (Richard Marsh) Dog fomos directos ao hospital. Fiz o raio x e vi que não estava nada partido mas estava muito inchado e não dava para fazer a ressonância magnética. Entretanto o meu pai já vinha a caminho do Havai e desde que chegou até ao início da prova de Pipe estivemos sempre a tentar recuperar ao máximo.

Quando começou o campeonato, como estava o pé?
Estava horrível, nesse tempo todo só surfei os heats, com o pé todo ligado e uma bota por cima. Houve um tubo no fim do heat, no round 2, que se tivesse saído tinha virado o resultado, só que não consegui ajeitar o pé. Não mexia o pé, estava todo ligado. Depois chegamos a Portugal e o médico disse que era quase como se tivesse partido o pé, não tinha partido por sorte. Tinha uma rotura do ligamento peroneo astragalino, contusão óssea no astragalus e rotura parcial do ligamento deltóide do tornozelo.

Quando te sentiste finalmente a 100%?
Para ser honesto, só na Austrália é que realmente me senti à vontade e a surfar bem. Sem bota, a começar a surfar várias vezes ao dia. Mesmo assim ainda sinto o pé algumas vezes. Estive super condicionado na preparação no início do ano mas felizmente fiz fisioterapia duas vezes por dia com o meu pai, ginásio duas vezes por dia e consegui ir recuperando.

Como estava o teu estado de espírito na véspera do Pipe Masters tendo em conta que tinhas tanto em jogo?
O estado de espírito estava normal, era como qualquer outro campeonato. Aconteceu o que aconteceu e não valia a pena eu estar a chorar ou fazer-me de coitadinho. Aquilo estava ali e tinha que lidar com isso, se foi para acontecer foi por alguma razão, é assim que eu gosto de pensar. Não resultou, não consegui resguardar a minha posição e pronto.

O que foram para ti os grandes destaques de 2018? No CT e não só?
Acho que estava a surfar bem em todas as etapas e fiz bom surf. Tirando Pipeline, onde quase não conseguia surfar, no geral senti-me a surfar bem. Houve ali outros problemas, mudou-se o chefe de juízes e o julgamento mudou um bocado.

O que achaste do novo julgamento?
Senti que houve ali uma grande mudança e acho que não fui o único a achar que essa foi a maior diferença para o ano anterior. O critério mudou, mas apenas em alguns casos. Alguns surfistas eram julgados de uma forma, e outros de outra. Demorou um bom bocado para se perceber o que se tinha que fazer para ter os scores. Houve um descontentamento da parte do público e dos surfistas e demorou até se chegar a uma conclusão e a falar-se disso. O surf é um desporto muito subjectivo, faz parte e uma pessoa tem que respeitar e seguir em frente. Mas foi um bom ano, acho que mostrei bom surf, fiz bons campeonatos, acabei por fazer alguns bons resultados. Quartos de final em Bells Beach, 9º em Portugal e Jeffreys Bay. O que pecou foi realmente aquela última etapa em Pipeline, que não tinha muito por onde ir.

Um heat que deu que falar foi quando surfaste contra o Yago Dora no Quiksilver Pro France. Foi um confronto que muitos discordaram do resultado, como foi a tua visão dessa bateria?
Eu vi o heat outra vez e dentro da escala que eles estavam a julgar e do que se estava a ver anteriormente, eu acho que tinha passado esse heat. Ainda para mais o Ezekiel Lau tinha virado o resultado no heat anterior com um tubo, eu dei um tubo melhor e a nota ficou aquém das expectativas. Mas lá está, não sou eu que estou a julgar, não posso ir contra os juízes, só vai tornar a minha vida mais difícil e é uma coisa que temos que ir percebendo ao longo do tempo e fazer com que isso, em vez de nos deitar abaixo, nos torne mais fortes.

 

 

Achas que poderá haver dificuldades em pontuar estilos de surf e técnicas tão diferentes entre os surfistas do tour? Uns são especialistas em manobras de rail, outros nos aéreos e ainda há tubos e outras “variáveis” para meter na “equação”?
Eu acho que sim, julgar um campeonato deve ser super difícil. Nós todos mostramos descontentamento mas temos noção que o trabalho do juiz é muito difícil e tem que ser respeitado acima de tudo. Acredito que não seja nada fácil distinguir todos esses tipos de surf e as notas no momento. Mas, no fim do dia, aquele painel de juízes é o melhor do mundo e eles têm que estar à altura das dificuldades. O resultado tem que ser justo e sensato. Eles têm os replays para rever as ondas as vezes que quiserem, de vários ângulos por isso não é só visto a olho nu e decidir no momento. Claro que há sempre uma margem de erro e uma pessoa tem que dar o beneficio da dúvida mas pronto, há situações que chamam mais à atenção do público e dos próprios surfistas do que outras e eu acho que essa foi uma delas

Como viste a situação polémica da disputa entre Caio Ibelli e Kelly Slater pelo segundo wildcard “cativo” do tour de 2019? É algo que acabou por também te influenciar já que passaste para segundo alternate a seguir ao Caio…
Eu, se fosse o Caio, tinha ficado “doente”. Eu estive nos campeonatos e o Kelly retirava-se (da etapa) de Bells mas depois lá a fazer free surf. Esteve lá para a despedida do Mick Fanning e estava a surfar? Mas retirou-se do campeonato (nota de redacção – por alegada lesão), é estranho! Esteve em Fiji a surfar, competiu no campeonato na piscina de onda que, e posso dizer por experiência própria, é uma prova onde a tua condição física é super importante. Fazer 13 manobras durante não sei quantas ondas uma pessoa precisa de estar bem, e aí ele ficou em 3º lugar. Não sei. Aí sinto pelo Caio, porque ele esteve a recuperar de um tornozelo destruído, em que inclusivamente teve que ser operado. Isto é o que eu vejo de fora, por dentro (da WSL) não sei, é apenas a minha visão, posso estar completamente errado. Claro que isso a mim me afecta porque se isso não tivesse acontecido eu tinha feito as etapas todas do início do ano. Mas não vale a pena argumentar ou discutir, não vai mudar nada.

Um top do CT consegue treinar em Pipe? Há mais respeito que para os “comuns mortais”?
Não (risos)! É muito complicado, vais apanhar “as sobras das sobras”. É muita gente, se nós imaginarmos, os 32 melhores do mundo ali a surfar, mais os top100 do QS, mais os havaianos todos, mais free surfers, é uma confusão, é super complicado mas é o que é e uma pessoa tem que se habituar, é o Havai. Por seres do CT se calhar levas uma onda ou outra, mas não chegas ali e apanhas ondas como em Jeffreys Bay ou na Gold Coast.

É uma onda onde sentes a necessidade de treinar off season, uma vez que até agora não tiveste bons resultados?
Na verdade eu tive três campeonatos apenas em Pipeline, a maior parte deles em manobras, nem foram em tubos. Mas sim, é uma onda onde é preciso treinar e passar tempo lá mas a verdade é que passamos um mês e meio no Havai, entre QS’s e CT e depois ter que vir a casa duas semanas e voltar para lá para fazer outro campeonato… eu prefiro aproveitar esse tempo para descansar e treinar. E acho que para Pipeline podemos treinar noutras ondas para melhorar a técnica nos tubos e o próprio approach e depois reflectir isso em Pipe. O que aconteceu foi que não apanhámos tubos em quase nenhuma etapa e a única em que apanhámos eu tinha o pé “feito num oito” e não consegui sequer dar uso a esse trabalho que eu tentei fazer. Eu senti que fiz esse trabalho e saí da zona de conforto mas não houve oportunidades suficientes para mostrar isso.

Este ano conseguiste a segunda vitória da tua carreira no QS, fala um pouco desse resultado…
Santa Cruz acho que foi a prova em que me senti à vontade, o treino na Austrália foi óptimo, não em termos de resultados mas de voltar ao ritmo, surfar várias vezes, trabalhar muito próximo com o Dog, experimentar pranchas, sentir todo aquele ambiente outra vez. Eu deixei-me ficar quase até ao fim na etapa de Snapper mesmo para continuar naquele ambiente, sinto que é onde eu pertenço e faz parte continuar a sentir a vibe que há ali. Depois vim para Santa Cruz e o mar estava bom, havia umas ondas divertidas. Foi um bom campeonato, senti-me bem, consistente, a aumentar heat a heat e soube bem ter uma vitória em casa! São 3.000 pontos e é já um back up, e acima de tudo foi bom para a minha confiança, fazer notas altas, vários heats, sentir que as pranchas estão boas, que tenho pranchas para quando o mar está maior e quando está mais pequeno. Isso foi o mais importante para mim mas ainda há muito pela frente. Apetece-me muito competir, estou mais motivado que nunca para ganhar, perder, lidar com a derrota, voltar mais forte, estou cheio de vontade.

Que tipo de resultados consideras como keepers?
Este ano há mais etapas, os pontos (para o requisito de qualificação no CT) no final do ano vão aumentar. Nestas de 3.000 ou ganhas ou não podes encarar como um keeper. É para ter como back up, como quarto ou quinto melhor resultado, mas onde temos de amealhar pontos nas etapas de 6 e 10.000 pontos. Mesmo nos 6.000, um 3º lugar é 3.500 pontos, é quase a pontuação de uma vitória nos 3.000. Ou seja, tens que te focar é nos de 10.000 para fazer a diferença.

Sendo o segundo alternate no tour de 2019 serás chamado para competir em algumas etapas, como é o processo para entrares nessas provas?
Eu quero fazer a maior parte das etapas que eu consiga e quando for chamado com alguns dias de antecedência, eu vou. Mas quando for muito apertado e colocar em risco outro campeonato do circuito de qualificação em que eu possa estar presente, que é onde está a minha requalificação, eu acho que vou optar pelas provas do QS. Não entrei nas primeiras três etapas e para conseguir a qualificação nas etapas que sobram acaba por ser mais complicado.

Faltaram vários tops do CT à etapa de Bells Beach, ainda esteve “na mesa” arrancares para lá?
Estava a decorrer a etapa da Costa da Caparica, onde eu estava em prova, e não se reuniram condições suficientes para ir. Ia ter que arrancar nesse dia, chegar lá dois dias depois, possivelmente ia aterrar na manhã em que poderia competir, se já não tivesse sido o meu heat. Havia muitos “se” para perder a etapa do QS aqui.

Falhando essas primeiras três etapas do CT, consideras que poderá ser contraproducente meter a tua energia nesse circuito?
É isso, não conseguindo fazer quase todas, imagina que eu só consigo fazer cinco, é quase impossível conseguir a qualificação por aí. Sempre que tiver a oportunidade não vou recusar, é ali que eu sinto que pertenço e acho que estar naquele meio puxa por mim e dá mais alento de voltar ao QS e passar heats.

(Entretanto Frederico Morais conseguiu vagas para a 4ª e 5ª etapas do Championship Tour)

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