“E depois do boom?” foi o mote do debate organizado pela Surf Out Portugal, em parceria com a Associação de Turismo de Cascais e a Associação de Escolas de Surf de Portugal (AESDP), que decorreu no DNA Cascais, na semana passada: conseguirão as praias aguentar um fluxo tão grande de visitantes? O país conseguirá dar aos turistas do surf a qualidade devida? A proliferação de escolas de surf poderá colocar em causa a qualidade do ensino? Estas foram algumas das perguntas que guiaram a iniciativa.
Com vista a melhorar a qualidade da costa portuguesa, os intervenientes do debate defenderam a tomada de medidas rígidas, tais como a redução do número de escolas de surf, através da melhoria da qualidade dos serviços oferecidos e do respetivo preço. A classificação das praias consoante as suas ondas poderá também ser uma solução para reorganizá-las.
“A febre do turismo também chegou ao surf e há um excesso de escolas a operar na costa portuguesa. Atualmente, praticamente nenhuma escola consegue fazer um bom trabalho nos picos de procura, porque há demasiada gente dentro de água. Qualquer setor tem de saber crescer e parar e nós precisamos de parar já”, defende José Maria Pyrrait, líder do projeto Pyrrait Surf Coaching, deixando nota de que “estamos a destruir o nosso litoral e as melhores ondas da Europa por ganância”.
Foi também apontada a descentralização do poder, dando aos municípios a possibilidade de terem regras próprias para as suas praias, já que, além de facilitar a legislação e fiscalização, haveria também uma maior proximidade entre as pessoas no terreno e os decisores, podendo essas mesmas medidas ser tomadas de acordo com as condições e capacidade de lotação das praias.
Nuno Piteira Lopes, vereador da Câmara de Cascais, acredita que “a descentralização da legislação para os municípios vai ter muitas vantagens, porque os municípios estão mais disponíveis para um diálogo permanente e direto com quem está nas praias todos os dias”. Sublinhou também que não é contra a atividade económica nas praias, sejam escolas ou outros, “mas que todos têm de ter condições para coexistirem, porque nem os surfistas podem ficar sem as ondas, nem os banhistas podem ficar sem as praias”.
A necessidade de legislação que reordene as praias portuguesas e de um maior controle relativo à abertura de escolas de surf e outras operações recreativas é evidente para todos os players e para que tal aconteça seria benéfico que o surf fosse visto como um setor, sendo esse um dos principais focos da Associação de Escolas de Surf de Portugal, segundo o seu diretor executivo Afonso Teixeira: “Um dos desafios que enfrentamos é que o surf seja reconhecido como um setor e que seja legislado como tal. O nosso grande objetivo é que o surf seja mais claro, mais uniforme e que esteja devidamente documentado para ganhar esse reconhecimento. Mas isto leva tempo, porque há muitas questões políticas”, sustenta.
Mas enquanto tal não acontece “fiscalização” é palavra de ordem. De acordo com o presidente do Surfing Club Portugal, João Miguel Ferreira, as capitanias não têm capacidade para fiscalizar, estando neste momento apenas a responder às ocorrências que surgem: “Tem de haver uma autoridade e, se não há meios, é preciso arranjar. É preciso contratar e, para isso, é preciso investimento. Como tal, é preciso que todos os que usufruem dos planos de água contribuam. As verbas pagas com impostos devem ser canalizadas para a fiscalização, para termos melhores condições”, defende.
Sobre o investimento necessário, Miguel Moreira, diretor técnico da Federação Portuguesa de Surf, está convicto de que não há falta de dinheiro, mas sim falta de vontade política. Deixa ainda a nota de que “o país não está a evoluir por causa dos poucos recursos que temos e da forma errada como estamos a usar esses recursos”.
Por fim, os players do setor presentes afirmaram que Portugal já não consegue corresponder às expectativas dos que nos procuram para o turismo de surf. João Capucho, consultor e membro da Federação Portuguesa de Surf, deixa também a nota de que o turismo do surf está a afastar outra categoria de utilizadores, como é o caso das famílias, que mais do que surf procuram uma experiência na praia.
“Quisemos fazer um balanço do estado da nossa costa, ouvindo a Federação, as escolas e outros operadores recreativos, para percebermos como está e o que podemos fazer por ela. É, sobretudo, esse o objetivo da Surf Out Portugal: colocar os diversos players a dialogar para que, juntos, possam fazer crescer o surf enquanto setor e lutar pela sustentabilidade das nossas praias”, afirmam os irmãos Patrick e Salvador Stilwell, da organização do evento.
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