Enquanto que nos dias de hoje um surfista profissional pode chegar a usar várias dezenas de pranchas por ano, nos anos 80 e 90 esse número era ligeiramente mais reduzido. Mesmo assim eram produzidas muitas pranchas anualmente por cada atleta mas… onde vão elas parar? Não sendo um produto muito “reciclável”, será que muitas estão guardadas em garagens e arrecadações à espera de voltarem a ver a luz do dia? De tempos em tempos algumas reaparecem e se pudessem falar provavelmente teriam boas histórias para contar.
Gonçalo Lopes “Ratinho” foi um dos melhores e mais carismáticos surfistas portugueses entre os anos 80 e 90. Actualmente continua a surfar com regularidade e é um dos responsáveis pela marca Hurley em Portugal. Enquanto foi profissional de surf, nos anos embrionários dessa profissão em Portugal, Gonçalo viajou bastante e foi numa das suas viagens mais invulgares que aconteceu este episódio. Encontrámo-lo depois de uma sessão no Guincho e à saída de água contou-nos a incrível história desta prancha que lhe tinha desaparecido em 1988 em Israel.
“Nesse ano encomendei um quiver ao Alvinho Pereira, shaper da Energia Tropical, especificamente para uma viagem a Israel pois tinha recebido um convite para ir lá fazer surf.
Era um quiver de três pranchas, uma delas era uma 6´0” linda, tinha sido feita com uma pintura escolhida por mim e logótipos novos que tinham acabado de sair. As outras eram mais pequenas, 5’10” e 5’11”. Chegando lá é obvio que usei sempre a mais pequena pois o mar estava sempre mínimo e com grandes períodos entre os ondulações.
O que aconteceu foi que um dos dois israelitas que me tinha convidado, e com quem fiquei inicialmente, o Arnaut, era completamente alucinado. Ele tinha inclusivamente sido expulso das tropas especiais israelitas, o que dá uma ideia do tipo pessoa que era. Ele revelou-se ser um dos maiores dealers de Israel. Vivia no limite, e era só festa e álcool todas as noites e eu a ver minha vida a andar para trás. Como não houve surf praticamente nenhum nesses dias as noites eram passadas em grande maluqueiras e eu como nunca fui de drogas cheguei a um ponto em que tive de me pôr a andar dali.
Entretanto ele tinha posto de parte essa 6’0”, que ainda não tinha sido usada, e um casaco de cabedal, como pagamento da minha estadia na casa dele. Aproveitei que ele e os primos, que dormiam lá todos em casa, estavam com uma “granda” moca e fugi a meio da noite. Apanhei o autocarro e fui ter com o outro israelita que me tinha feito o convite e que morava a 150 quilómetros dali, em Haifa. Antes de sair ainda consegui recuperar o casaco de cabedal mas não consegui encontrar a prancha. Assim saí de Tel Aviv e ele nunca mais soube de mim. Uns anos mais tarde soube que tinha sido morto à facada por uns islâmicos.
Em Haifa tive uma estadia fantástica, o único problema é que se ouvia sempre os canhões e os mísseis durante a noite. Era o lado de lá a mandar rockets para o lado de cá e os Israelitas do lado de cá a responderem com mísseis. Isso e a miudagem andava toda de metralhadora nos cafés e em todo o lado.
A melhor surfada que dei em Israel foi lá, um swell de um metro onde estive no meu melhor devido à pica que tinha acumulado, foi uma surfada fantástica. De resto ambiente lá é fantástico, as mulheres são muito bonitas e as praias lindíssimas.
Antes de ir embora tentei recuperar a prancha através deste amigo de Haifa mas a única coisa que soubemos é que passado uns tempos tinha sido vendida.
Até que, no ano passado, liga-me o Xenico, da marca de pranchas XCult (fabrica/loja onde anteriormente estava situada a marca Energia Tropical) a dizer que tinha chegado lá uma prancha antiga com o meu nome. Depois de me ler o que dizia no stringer percebi que era essa a prancha que tinha ficado em Israel. A única coisa que soubemos mais foi que um israelita tinha passado lá na fábrica e tinha comprada material todo novo. À saída, como viu que ele tinha pranchas de surf penduradas no tecto da fábrica, perguntou se queria uma prancha antiga que tinha no carro. Mas deixou-a à porta e quando o Xenico a viu já ele estava a arrancar, acabámos por não saber o resto da história...”
O mais curioso desta história é que, passado tantos anos, a prancha foi mesmo parar à fabrica onde era a Energia Tropical, de onde saiu!
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