João Kopke conta-nos na primeira pesssoa como foi a sua experiência com Pedro Boonman pelo noroeste da Nicarágua, “um lugar que encanta ao mesmo ritmo que revolta“!
Há cerca de duas semanas atrás, Kopke e Boonman regressaram de uma boa temporada na Nicaragua. Ao contrário da maioria das pessoas que viaja para este destino, os locais de Carcavelos optaram por se dirigir para a zona norte, mais remota e menos conhecida, no que a surf diz respeito, do que o sul do país.
A convite de Pedro Boonman, que para lá se dirigiu para filmar mais um episódio da sua série – que será lançada brevemente -, o objectivo principal era surfar La Boom, um beach break que faz justiça à sua fama! Se há onda com a qual podemos compará-la, é Supertubos. Mas, além da onda, todo o envolvente é oposto ao que se vive por cá.
Kopke, recente colaborador das páginas da ONFIRE, vê e vive a vida e as viagens que faz de uma forma muito própria, e a sua escrita reflecte-o. É por isso que lhe pedimos para nos contar como viveu os quase 20 dias que passou na Nicarágua. Este é o primeiro de dois textos sobre esta aventura, que poderás ver em detalhe nas páginas da próxima edição da ONFIRE.
“Talvez seja de levar comigo para todo o lado uma câmera ao pescoço, que os meus olhos já não vêem só as maravilhosas ondas dos lugares onde me leva a minha prancha de surf. Embora fossem ondas que eu procurava, não posso deixar de contar que vi, em Aserradores, um cantinho perdido de um dos países mais miseráveis das Américas, um mundo completamente diferente do meu. Com os azares e sortes que traz a miséria, que normalmente vemos em filmes ou fotografias, este é um lugar que encanta ao mesmo ritmo que revolta e, chegado a casa, as fotografias que eu nunca tirei, serão as que vão ficar na minha memória para toda a vida.
“É um lugar onde os meninos não levam mochilas às costas, mas machados e machetes. É um lugar onde nas estradas não há carros, mas galinhas e porcos.”
É um lugar onde os meninos não levam mochilas às costas, mas machados e machetes. É um lugar onde nas estradas não há carros, mas galinhas e porcos. E é um lugar onde a lua, quando não a tapa o fumo que sai da queima da cana de açúcar, tem muito mais amigas a brilhar no céu.

Black era um dos três cães que viviam no Joe’s Place, e fazia questão de acompanhar (e proteger) Kopke e Boonman nas suas surfadas. ©White Flag Productions
Preferimos fugir aos privilégios que pode trazer um país no quintal dos Estados Unidos e hospedarmo-nos num lugar longe das piscinas e dos AC’s, onde se podia espreitar para dentro da vida dali. Ficava a uma caminhada de meia hora da praia e custava nove dólares por noite. Embora ali se pudesse também aproveitar um luxo do século 21, o wifi, aquele era o lugar onde alguns dos locais mais privilegiados da aldeias vinham jantar de vez em quando, e na maior parte do tempo vivia-se na mesma realidade que provavelmente a zona conheceria há 50 anos atrás. Se no primeiro dia que vimos a nossa casa para os próximos 15 dias levámos um susto, no 15º a minha maior pena era deixar aquele lugar que nos contou tantas e tantas histórias.

O off-shore matinal aliado a um swell perfeito transforma La Boom numa espécie de Supetubos, de água quente! Pedro Boonman numa das rainhas do dia! ©White Flag Productions
No fim da meia hora que se fazia todos os dias desde casa, por entre galinhas e porcos, mosquitos e cães com dentes de fora escondidos na madrugada, estava a praia e o nascer do sol. Todos os dias o vento offshore acompanhava os primeiros raios de luz. O Noroeste da Nicarágua é assim. De manhã, muito raramente falha o bom vento para se fazer surf e à tarde está quase sempre mau, também.
O nosso primeiro dia foi, como em quase todas as viagens é (por qualquer razão), um dia muito normal de ondas. Havia tubos, mas poucos e pequenos, e rapidamente saltou aquela típica frase que ecoa no ar, enquanto um dia perfeito não chega para a empurrar bem longe. “Há umas, mas não foi para isto que viajei metade do mundo.
“(…)o mar foi melhorando e melhorando até ao 7º dia, onde swell, mar e fundos concordaram em dar-nos o melhor dia dos últimos três meses por aquelas paragens, disseram-nos depois os locais.”
Se o mar se tivesse mantido naqueles termos, não teria mesmo valido a pena a viagem, pelo menos não pelas ondas. A ida e a volta contabilizaram, pelo menos, 40 horas de avião, 15 horas de escalas com direito a dormida no aeroporto, 6 horas de carro e ainda um autocarro de 8 horas de Madrid para Lisboa no regresso.
Mas, ao segundo dia, todos os bancos desconfortáveis e comidas de avião tinham já valido a pena. Os tubos ganharam tamanho, o off shore soprou mais forte e nós engolimos as palavras muito mais rapidamente do que tínhamos conseguido dizê-las um dia antes. E depois deste primeiro dia, o mar foi melhorando e melhorando até ao 7º dia, onde swell, mar e fundos concordaram em dar-nos o melhor dia dos últimos três meses por aquelas paragens, disseram-nos depois os locais.
Ao 8º dia iria supostamente entrar um swell demasiado grande para a principal atracção do sítio, o Boom, que era a praia que estávamos a surfar desde o princípio. Mas apesar dos avisos da gente dali, decidimos não abandonar as esperanças e espreitar a praia pela manhã cedinho para descobrir por nós próprios se aquilo era só conversa. Afinal de contas, só tínhamos ainda surfado ali até um metro e meio sólido e tínhamos vontade de desafiar uns tubos um bocadinho maiores e mais impressionantes.
Mas quem nos avisou tinha razão. Ao contrário do seu irmão mais velho cá da terra, os Super, que aguenta mar grande, o Boom não conseguiu aguentar a energia toda que aquele swell trazia e os sets rebentavam muito para fora do banco.
Depois de explorarmos mais uma ou duas opções, a única onda que nos restava era um point break que requeria um pequeno passeio de barco. No fim do passeio estava a nossa onda, na ponta de uma ilha que separava o mar aberto do estuário de mangue. Nunca tínhamos surfado a onda e, do que podíamos ver de longe, a opinião é que era bastante mole e que não inspirava muita vontade de pagar a um pescador para lá nos levar. Ainda assim, fomos.
“(…)um set enorme rebentou em pleno canal e a nossa tosca lancha, que levava dentro seis pessoas e alguns milhares de euros em material de filmar, teve que bater em retirada de volta para dentro do rio.”
À medida que saímos da boca do rio e nos aproximávamos do pico, a onda que de longe parecia mole e “chata” foi ganhando forma e, na sua melhor tentativa, chegou a assemelhar-se a uma esquerda qualquer de águas mais orientais. Quando tudo parecia pronto para termos mais uma boa supressa, um set enorme rebentou em pleno canal e a nossa tosca lancha, que levava dentro seis pessoas e alguns milhares de euros em material de filmar, teve que bater em retirada de volta para dentro do rio. Foi aí que decidimos dar a volta à ilha e deixar o camera man e a sua mochila cheia de lentes e máquinas de filmar a 20 minutos a pé de onde se podia filmar. Nós, entretanto, iríamos dar meia volta e, já que não havia outra hipótese, nos atiraríamos à água para surfar longe dos cartões de memória, enquanto ele não chegava.

Este era o início do caminho que levava Boonman para a perfeição de La Boom, um caminho que em tudo contrastava com o “ouro” que se encontrava no fim da caminhada. ©White Flag Productions
Ficou registrado apenas nas palmeiras da ilha, mas eu juro que até havia umas ondas. Tanto eu como o Pedro (Boonman) conseguimos naqueles 20 minutos fazer uma onda boa cada um e imaginámos um início de uma sessão feliz. Mas foram 20 minutos apenas. A verdade é que quando quando as cameras estavam a postos, o mar subiu ou a maré encheu e as paredes das ondas deixaram de ser oportunidades. A onda estava gorda, grande e sem graça nenhuma e, depois de mais uma ou duas, fomos embora dali. Mas eu fiquei com a esperança ou teimosia de que, quando o mar caísse, aquele poderia ser um bom refúgio do on-shore e proporcionar as manobras que faltavam à viagem, porque tubos tínhamos já nós de sobra…”
Fica atento ao site da ONFIRE para saberes como terminou esta aventura de Boonman e Kopke na Nicarágua!
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