Durante o mês de Agosto o shaper da Polen Surfboards, Paulo do Bairro, deslocou-se a uma das grandes “mecas” do shape a nível mundial, a Califórnia. O objectivo era absorver e partilhar conhecimentos com um shaper que muitos insiders da indústria apelidam de “o guru”, Timmy Patterson. Durante cerca de 10 dias Timmy recebeu o ex-campeão nacional e europeu de braços abertos para um intercâmbio de grande sucesso. Fica a saber mais sobre a viagem de Paulo do Bairro à famosa Shaper’s Alley, em San Clemente…

Fala um pouco da Califórnia, como surgiu a oportunidade de fazeres esta viagem e qual era o objectivo?

O objectivo era, primeiramente, obter informação para fazer o produto que é feito em Portugal o mais parecido com o que é feito nas fábricas lá fora. Devido à pandemia não temos tido a presença dos shapers que temos representados aqui na Polen. Segundo, foi dar-me a oportunidade de poder esticar um bocadinho os meus horizontes. Às vezes, quando passamos muito tempo dentro da sala de shape, estamos só a fazer pranchas, não estamos a explorar novos métodos e novas maneiras de fazer as pranchas. E isto foi muito positivo nesse aspecto pois eu tenho muitas regras como shaper. Vejo-me a mim próprio dentro de uma caixa, e gosto de estar dentro dessa caixa com regras, com linhas e com métodos de fazer as coisas. O que esta viagem me proporcionou foi a possibilidade de pensar mais fora da caixa, fazer as pranchas com ferramentas diferentes, ver as pranchas de outra perspectiva, a perspectiva dele, e incorporar isso na maneira como eu faço as pranchas. Isso deu-me a possibilidade de continuar a crescer a nível de design e de “movimentos” de shape. Nesta viagem senti que eu continuo a estar dentro daquela caixa, daquelas regras, aquelas quatro paredes, mas ficou mais abrangente, tenho muito mais espaço para me mexer e tenho muito mais entendimento e mais formas de shapear do que tinha antes.

Como era o teu dia a dia na Califórnia?

Eu fiquei na casa do Timmy e fui muito bem recebido desde o primeiro minuto, ele pôs-me completamente à vontade. O dia a dia era acordar às 6/7 da manhã, passar pela praia para ver se havia ondas, nos dias que lá tive o mar esteve sempre muito pequeno por isso fomos sempre directamente para a fábrica, e passávamos lá o dia todo praticamente, até às 5 da tarde. Depois passávamos pela praia onde ele dava sempre um mergulho e no dia seguinte era repetir, incluindo sábados e domingos.

Como foi a troca de conhecimentos, foi mais passada no computador ou na sala de shape?

Para te ser honesto, eu estou habituado a trabalhar muito, shapear, shapear, shapear. Eu pressionava-me a querer mostrar o meu trabalho, queres impressionar e mostrar que sabes fazer as coisas. Ia com a ideia de fazer isso mas, logo no primeiro dia, vi que não tinha muita vantagem nisso. O Timmy desde o primeiro minuto mostrou-se uma pessoa bastante comunicativa e com muita partilha. Eu percebi que a vantagem que eu tinha não era estar dentro da sala de shape, porque isso também posso fazer cá, mas era estar a ouvi-lo quando ele queria falar. Cheguei a shapear, e perguntava-lhe a opinião dele, mas muitas vezes ele ia à minha sala, chamava-me para ver algo e ficávamos duas horas a falar sobre os mais pequenos detalhes. A troca de conhecimentos foi basicamente ouvir muito, tomar muitas notas e fazer muitos vídeos. A partilha de conhecimento dele não se limitou apenas ao shape, foi sobre tudo. Porque ele acha, e eu concordo, que um shaper deve ter um conhecimento global de todas as partes do processo.

Timmy Patterson no seu elemento

Havia algo mais especifico que querias muito receber informação?

Uma das coisas que eu sempre quis que ele me mostrasse, é como se faz canais. Não há pessoa mais famosa a fazer canais que o Timmy Patterson e sempre admirei as pranchas com canais que ele fazia para o Matt Archbold, que era um dos meus surfistas preferidos. Pedi-lhe para fazer uma para eu ver e ele pegou numa prancha maior que tinha lá, uma gun que tinha um problema no bloco, e “re-shapeou” para eu ver. No fim olhou para a prancha e disse assim, “estes canais não encaixam bem aqui nesta prancha”, então pegou numa serra, serrou 3 pés no bico, pegou nas ferramentas dele, e a prancha passou de uma 7’2” para uma 5’10 ou 5’11. Fez uma coisa tão agradável de se ver que todos os dias, enquanto eu lá estive, eu ia lá e pegava na prancha. Ele viu-me várias vezes a fazer isso e disse assim “estás a ver, é esta flexibilidade e estas coisas que podes fazer que fazem com que o teu trabalho seja mais agradável”. Meteu a prancha na produção e vai ter um team rider que goste mais de pranchas alternativas a experimentar. E se ele adorar será um modelo novo. Ele é uma pessoa muito criativa, do nada chega ali e adapta a prancha. Não se restringe aos modelos e às linhas que tem, nem fabrica sempre a mesma coisa, há modelos que surgiram assim, só porque se lembrou de fazer algo diferente e sai dali algo especial.

Para terminar fala um pouco sobre o Timmy, como foi conviver com ele durante estes dias e o que achaste dele como pessoa e como shaper?

Como pessoa comigo foi bastante aberto e afável, muito simpático e sem problemas nenhuns em partilhar informação. Nem todos os shapers gostam de partilhar informação que foi adquirida com experiência de 20 ou 30 anos de trabalho. Ele foi completamente o oposto disso. A nível profissionalmente é uma pessoa que goza de uma boa imagem perante a comunidade do surf e perante a comunidade de fabricantes de pranchas. O Timmy é um shaper de terceira geração, depois do avô e do pai dele. Ele tem um conhecimento gigante, que passou da sua família para ele e que poucas pessoas têm. Muitos shapers conceituados têm o Timmy como referência e muitos dos shapers que hoje são conceituados já passaram pela fábrica dele de alguma forma. Posso dizer que o considero um craftsman, tu vais à sala dele e tem 50 ferramentas, e a maioria das ferramentas foram feitas por ele. Ele é uma pessoa que a única coisa que quer é estar na fábrica a shapear. Vai trabalhar todos os dias, incluindo fins de semana, vai de manhã, depois vai fazer qualquer coisa a casa, volta, às vezes até volta à noite só para acabar uns shapes. E não é porque tenha aquela urgência, eu acredito que ele fica nervoso se não estiver na fábrica. Ele gosta mesmo de estar ali, é o ambiente dele.

Comentários

Os comentários estão fechados.