Com o início do Championship Tour de 2019 arrastado para Abril, ao contrário do tradicional Março, Kanoa Igarashi, o número 10 do ranking de 2018, podia estar literalmente em qualquer país do mundo neste momento. Escolheu, no entanto, estar onde tem passado mais tempo que qualquer outro sítio nos últimos anos, Portugal. Este super talento que cresceu nos Estados Unidos mas tem origens nipónicas tem um fascínio especial pelo nosso país e já fala a língua fluentemente. A ONFIRE foi saber um pouco mais sobre a sua ligação com o nosso país e os seus planos para o futuro…
Antes da tua primeira viagem a Portugal, que percepção tinhas do nosso país?
Eu comecei a vir para a Europa, principalmente para França mas também Espanha, quando tinha 12 anos. Quando tinha 15 ou 16 vim pela primeira vez para o evento Prime de Cascais. Era um país em que não pensava, nem sabia muito. Tinha ouvido falar de Supertubos por causa do campeonato, mas não tinha uma imagem definida sobre Portugal. Nesse primeiro campeonato perdi no primeiro heat, as ondas estavam más e chovia todos os dias mas gostei da energia do sítio.
E o que fez mudar a tua opinião?
Voltei um mês mais tarde para o World Junior Championship, em Ribeira D’Ilhas, mas também não correu bem, fiquei em 9º lugar. Aí conheci o Tomás (Fernandes), que ficou em 3º lugar nesse campeonato. Ele estava com o seu grupo de amigos e foram todos muito abertos para mim, convidaram-me para estar com eles, do nada. Fiquei com o Tomás e o Pedro Coelho nas duas semanas que se seguiram e eles passaram a ser dos meus melhores amigos. Foi uma ligação que surgiu de uma maneira simples, que é algo que não acontece nos EUA. As pessoas lá falam por educação mas não se tornam próximas com facilidade. Coisas assim, pequenos gestos, fizeram de Portugal um sítio especial para mim. Em duas semanas fiquei a conhecer bem também o Miguel Blanco, o Filipe Jervis, e muitos amigos que nem fazem surf. Estávamos tranquilos, a fazer o que quiséssemos. Surfar, ir a Lisboa, fazer vida de quem tem 18 anos. Foi uma fase especial na minha vida, senti que precisava mesmo disso. Estava habituado a ter pressão, obrigações e muitas viagens e ter esta ligação foi refrescante e diferente. Portugal tornou-se no meu escape, um sítio onde consigo “viver”. A minha vida é o surf e nem sempre tenho tempo para fazer outras coisas, aqui tenho.
E tornou-se numa rotina, as viagens a Portugal?
Entretanto voltei depois da temporada havaiana. Tinha magoado o joelho e o médico disse para não surfar durante duas ou três semanas. Eu estava em casa sem nada para fazer e o Tomás estava lá, na Califórnia, e desafiou-me a vir para Portugal novamente. Era suposto vir uma semana mas fui ficando. Depois era suposto arrancar para o Brasil para uma prova QS mas não tinha visto e não pude ir. Foi um “mal que veio por bem”, aproveitei para passar mais tempo aqui, achei que era um sinal do universo para ficar, para não me preocupar. Fiquei mais um mês.
Foi aí que começaste a falar português?
Foi, os meus amigos decidiram que só iam falar português comigo. Eu não falava nada ainda mas tive que aprender…
E não é uma língua fácil de aprender!
Pois não, é muito diferente das duas línguas que eu já falava, inglês e japonês, mas eles puxaram muito por mim. “Kanoa, ‘bora surfar? Estás com fome?”. Tive que me lembrar de tudo mas ao fim de um mês eu realmente já sabia bastante, já conseguia começar uma conversa. Depois comecei a vir com mais regularidade e o meu português começou a ficar cada vez melhor e hoje em dia sinto-me quase tão confortável a falar português como inglês.
Quanto tempo dirias que já passaste cá desde a primeira viagem?
Eu passo mais tempo aqui que em qualquer outro sítio do mundo, poderá já ter chegado a um ano no total. Este ano estou a planear ficar uns três meses no total. Sempre que tiver tempo livre, eu venho cá!
Já pensaste em comprar casa em Portugal e tornares-te residente?
Já tenho uma, na Ericeira, Ribamar, em frente ao mar. Ainda estou a fazer renovações mas deve estar pronta em três semanas. Agora estou à procura de uma casa em Cascais também!
O que achas do país como destino de surf e como destino em geral para o surfista normal ou mesmo o turista que nem faz surf?
Há ondas boas em todo o mundo quase e, para mim, ondas boas são importantes mas não é a prioridade principal. Para mim o que faz de Portugal tão especial é a beleza em tudo. Ficas aqui e vais almoçar em Cascais, é um sonho, almoçar na praia na Europa. E uma das coisas mais incríveis é que Lisboa, uma cidade tão grande e com tanta coisa interessante, é tão próxima de tudo. Eu posso ir surfar de manhã e almoçar em Lisboa quase todos os dias. Tenho muitos amigos lá. É uma enorme vantagem que Lisboa tem, é quase uma cidade em frente à praia, é tão próxima. A comida é incrível, as pessoas recebem-nos bem. A qualidade da vida em Portugal é muito boa. Eu viajo o ano todo, acabo por saber dar valor a estas coisas, saber quando um sítio é bom ou não. Há algo difícil de explicar mas quando saio de cá, saio com mais energia.
Quais são as tuas ondas preferidas em Portugal?
Eu adoro Supertubos, em Peniche, e os Coxos na Ericeira. Para mim, sendo surfista profissional, gosto de ondas com força, adoro Supertubos, o power da onda, é curta mas muito agressiva, o vento norte é offshore, há muito espaço, é uma praia muito grande. Na Califórnia parece que não há muito espaço, tudo é mais compacto e tem mais gente. Gosto de Santa Cruz também, tem muitas praias com ondas boas, estive lá na semana passada e estava muito bom. E adoro surfar no Guincho. É uma praia que está sempre diferente, os bancos estão sempre a mudar. Às vezes são direitas, outras vezes são esquerdas, às vezes a onda é mesmo em cima da areia, outras vezes é bem longe no outside, é uma onda desafiante. Essas são as minhas ondas preferidas em Portugal.
O que achas dos surfistas portugueses em geral?
Eu acho que, com o (Frederico Morais) Kikas no (Championship) Tour, o nível aumentou muito nos surfistas portugueses pois deu-lhes motivação e esperança. Eu acho que o próximo surfista português a entrar no tour vai ser o Vasco (Ribeiro). Ele é um dos meus surfistas preferidos, está no meu top5 de surfistas favoritos, não apenas como surfista mas como pessoa. Acho que ele se pode dar muito bem no tour, vai ser muito perigoso quando se qualificar e espero que isso aconteça em breve. Gosto muito de ver o Tomás (Fernandes) a surfar, todos os portugueses têm muito flow, uma técnica única que só se vê em surfistas portugueses. Eu acho que vem um pouco do Tiago Pires, que também tem muito flow e não dá “saltinhos”, tem um surf muito sólido e acho que ele internacionalizou o surf português. O Frederico foi a geração seguinte e ele e o Vasco vão puxar muito pelo surf português. O futuro é promissor, têm as ondas, uma boa base, a localização, na Europa, é muito boa, bastante central para viajar, agora só falta que a nova geração olhe para os melhores e siga o exemplo.
Falando um pouco da tua carreira, quando começaste a viajar a tempo inteiro?
Eu acabei a escola primeiro. A minha mãe queria que eu acabasse os estudos antes de me dedicar a 100% à minha carreira e eu concordei. Andei numa escola normal, para mim não era só uma questão de aprender matemática, ciências ou história. Para mim o ambiente social foi muito importante. Os miúdos hoje em dia não têm uma interacção normal com outras pessoas e muitos surfistas parece que só sabem falar com surfistas, vivem numa bolha. O surf é pequeno no mundo, o mundo dos desportos em geral é pequeno, o resto do mundo é composto por pessoas “normais”, temos que saber falar com uma pessoa normal que não sabe nada de surf. É isso que se aprende da escola, aprender a falar e interagir com as outras pessoas, é algo que a minha mãe fez questão e eu, quando era mais novo, não percebia, mas agora percebo. Comecei a viajar muito cedo, com 12 anos, e aos 17 estive grande parte do ano fora a competir no QS, e consegui a qualificação para o tour. Com 18 estava a fazer o QS, CT e Pro Juniores, fiz tudo. Depois comecei a vir cá, e o timing foi perfeito.
Quais são os objectivos para este ano?
Dos 18 aos 20 tive anos muito preenchidos mas este ano vou só competir no Championship Tour e no US Open, em Ribeira D’Ilhas e no Havai. Ainda estou de férias, na próxima semana começo a treinar com o Jake Patterson. Apesar de estar de férias faço surf todos os dias e vou ao ginásio todos os dias, é a minha rotina, é o mínimo. Quando começar a treinar, na próxima semana, vai ser mais a sério, mais intenso. Este ano vou estar muito ocupado pois irei muitas vezes ao Japão, obrigações ligadas aos Jogos Olímpicos, além de vir a Portugal sempre que puder.
Mudaste de nacionalidade no ano passado, foi para garantir vaga nos Jogos Olímpicos?
Eu sou 100% japonês de ascendência, ambos os meus pais são japoneses e era o sonho deles. Não necessariamente nos Jogos Olímpicos mas sim na competição em geral. Eles nunca me pressionaram mas sempre senti isso. Para mim, o meu objectivo na vida é fazer os meus pais orgulharem-se de mim. Não me preocupo com medalhas de ouro ou título mundial, se os faz orgulhosos, eu quero fazer. Foi uma das motivações para mudar a nacionalidade, ser o primeiro japonês no tour e garantir-me nos Jogos Olímpicos. Pareceu-me natural, uma boa mudança. Tive para mudar quando tinha 17 anos, quando me qualifiquei, mas o timing era apertado, consegui a vaga em Novembro e em Fevereiro já estava a competir no QS. Agora tive tempo e tratei disso. Os Jogos Olímpicos tiveram influência na mudança, mas já estava para o fazer há alguns anos.
Como é a cultura de surf no Japão?
Olha, lembra-me muito a de Portugal. Eu admiro muito e respeito muito o Tiago porque vi o que ele fez pelo surf em Portugal. Talvez as pessoas cá nem têm noção mas ele meteu Portugal no mapa, no meio toda a gente conhece o país por ele. Levou a bandeira portuguesa ao podium, com orgulho. Tudo se abriu a partir daí e eu quero fazer isso pelo Japão. Quero ser a pessoa que ajudou a economia do Japão devido ao surf, como aconteceu em Portugal. O surf está na moda em Portugal, é cool, e quero fazer isso lá. O país tem muito potencial mas o surf neste momento é visto como um desporto para pessoas mais velhas, pessoas com 30, 40 e 50 anos que surfam depois do trabalho ou no fim de semana com os amigos. É bom mas, juntamente com outros surfistas como o Hiroto Ohhara, o Takumi Nakamura, Kaito Ohashi, queremos renovar a imagem para uma nova geração, que os mais novos se inspirem e o surf se torne num desporto para todas as idades. É uma altura especial para o Japão e apenas temos que aproveitar bem.
Para terminar, no ano passado chegaste ao top10, era o teu objectivo ou tinhas outras metas planeadas?
Quando eu tinha 16/17 anos o meu objectivo era aos 18 entrar no top100 do QS, qualificar-me com 19 anos para competir no CT aos 20 anos. Depois queria subir no ranking com 21 anos, aos 22 queria chegar ao top10 e aos 23 queria estar perto da disputa pelo título. Estou um ou dois anos à frente dos meus objectivos, aconteceu tudo muito rápido, foi uma loucura. No início do ano passado constatei que estava à frente do meu objectivo por isso foquei-me em chegar ao top10. Acho que se manter o foco posso acabar no top5 em 2019, é o objectivo.
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