Vamos ouvir falar muito de João Kopke nos próximos tempos e não é por estar a tirar resultados competitivos melhores que no passado ou por ter uma “video part” fora de série. Claro que este surfista tem capacidades para fazer tudo isso mas nos últimos tempos o seu percurso adaptou-se a uma realidade que tem mais a ver consigo que tudo o que fez até aí. Fica a conhecer melhor os projectos de João Kopke…

 

Temos visto alguns projectos teus recentemente, como as “Spicy Sessions” e “O Desfiltrado” e sabemos que há outros na calha. Consideras que a tua carreira mudou de direcção?
Até ao final da minha carreira júnior sempre fui, e queria ser, um competidor. Por alguma razão, há dois anos, no último ano da minha carreira júnior, a Buondi mostrou algum interesse em mim porque eu, de forma espontânea, em associação com a White Flag Productions, andava a fazer alguns vídeos que fugiam um pouco ao conceito do clip de surf “normal”. Nesse ano houve muitas conversas e muitas indecisões mas eu percebi que havia uma oportunidade de direcionar a minha carreira para um lugar diferente, um lugar que eu achava muito mais interessante. Já via a competição há alguns anos como algo um bocadinho limitante até para o próprio surf. Para mim o surf é muito mais do que lycras de competição, aéreos, snaps, tubos… para mim até os dias de competição com boas ondas não contam toda a história que o surf tem para contar. Então reprogramei um bocadinho a minha carreira, com ajuda de pessoas como o meu pai, que trabalha em marketing desde sempre. Ele ajudou-me a montar uma estratégia coerente para desenvolver outro tipo de projectos que ligassem o surf a outras áreas da vida e que fossem capazes de comunicar para um público mais alargado. Ou seja, eu não quero falar só àquelas pessoas que sejam hardcore surfers e que a única coisa que querem conversar é sobre manobras, o quão bom foi aquele snap a soltar as quilhas, se saiu água ou não. Eu quero falar numa linguagem que, através do surf, consiga cativar o interesse de cada vez mais gente. Acho que é isso que cada vez mais tenho vindo a conseguir fazer. Quero, no fundo, usar o surf para viver uma vida mais transversal e no processo contar todas as histórias interessantes que essa vida proporciona.

 

João Kopke em modo competição na Liga MEO Surf - Photo by Pedro Mestre

João Kopke em modo competição na Liga MEO Surf – Photo by Pedro Mestre

 

Como era o projecto com a Buondi?
O conceito da Buondi era colocar-me em posições em que eu tivesse que expressar o que sou através de uma situação desconfortável para mim. Ou seja, eles punham-me na pele de outra pessoa que fazia algo completamente diferente à minha actividade mas que gostava muito do que fazia, da mesma forma que eu gosto muito de fazer surf. No fundo trocávamos de vida, obviamente que o foco era mais na troca de vida que eu fazia com eles e não a parte do surf. Isso acabava por ser quase como um apontamento no final dos clips mas mesmo assim funcionava muito bem. Consegui meter um pescador e um pastor, que nunca tinham feito surf na vida, a surfar e foi incrível. Aprendi imensas coisas sobre as profissões que desempenhei e mesmo que tenham sido só durante um dia, comecei a entender as histórias por detrás da pesca, por trás da vida de um pastor, e mais do que tudo entendi que se pode viver uma paixão das mais diversas coisas. Acho que era esse o objectivo do Express Challenge!

 

 

Ficaste com vontade de trocar de vida? Ouvimos dizer que foi agradável passar um dia num barco de pesca (risos)…
Sinceramente, com o pescador não trocava mas com o pastor se calhar trocava. Talvez mais à frente na minha vida, eu achei o máximo viver a vida do que consegues ter para ti próprio! Até porque o pastor com quem eu troquei de vida fazia aquilo essencialmente porque gostava daquele estilo de vida. Ele próprio consumia os produtos que vinham das cabras que ele tinha, ele adorava pô-las a pastar ao fim do dia, adorava os seus cães. Não é uma actividade super industrializada e aquilo preenchia o dia e a vida dele. Eu vejo-me a viver assim, é um bocado assim que eu vivo o surf. Obviamente que eu quero fazer do surf uma carreia mas, mais do que tudo, o que me motiva a fazer surf é o mesmo que me motivou a primeira vez que eu fiz, só que agora há outros recursos e outras obrigações. Mas, no fim do dia, eu encontrei esse paralelismo entre a minha primeira vez a surfar e o que eu senti naquele pôr do sol, a pastar cabras. Foi um sentimento parecido, então se calhar trocava a minha vida por ali, mais velho, claro (risos).

 

No início do ano ganhaste muita visibilidade por teres sido o “pioneiro” do surf na Torre de Belém! Como te lembraste de procurar ondas num local tão improvável?
Desde os 11 anos que vou para Lisboa todos os dias de comboios, antes para o conservatório só e agora para o conservatório e para a faculdade. Havia dias de tempestade em que ia no comboio e via ondas em todo o lado. Acho que é uma característica “surfística”, ver ondas nos sítios mais estranhos, desde que haja um bocadinho de água e a verdade é que, com um swell grande, havia ondas ali naqueles lugares e era estranho como é que ainda ninguém os tinha explorado. Houve um dia em que eu sabia que ia entrar uma tempestade gigante, liguei ao Nuno Bandeira, da White Flag Productions, e traçamos o plano de ir à praia de Algés, onde tínhamos visto que poderia haver uma onda boa. Então quando estávamos a tentar chegar lá para ver o mar, passamos pelo viaduto que passa por cima da linha do comboio, olhámos para uma enseada onde havia umas mas não percebemos muito bem onde era até pararmos para espreitar. E era na Torre de Belém.

Um fim de tarde bem passado na Torre de Belém - Photo by White Flag Productions

Um fim de tarde bem passado na Torre de Belém – Photo by White Flag Productions

 

E como foi a surfada?
Eu estava cheio de medo, achava que ia ser preso (risos), não sabia se podia surfar ali, se a água estava suja ou limpa, que tipos de hepatite poderia apanhar. Mas esse momento nervoso depois transformou-se numa realização de que é para isto que eu surfo, para ir a sítios diferentes e para ter atrás de mim um pedaço de história. Foi um episódio que eu vi como perfeito para contar este meu novo rumo, esta nova maneira de viver a minha carreira. Aquilo acabou por aparecer em todos os telejornais. Ainda hoje dá que falar…

 

Fala-nos dos projectos deste ano…
Este ano começamos a seguir o modelo que já tínhamos antes com a Buondi. Desta vez em vez de ser uma marca a vir-me procurar, fui eu que me fiz à estrada e fui procurar, em conjunto com a equipa que trabalha comigo, vendendo esta ideia de que o surf é o veículo certo para falar com qualquer tipo de público. A partir daí apareceram alguns projectos, um vai ser a maior aventura dos meus próximos dois anos mas ainda não posso falar sobre isso. O outro, as “Spicy Sessions”, é um conteúdo produzido para a Tabasco, a marca de picantes norte-americana. Além de ter sido uma agradável surpresa, foi através de um contacto com um surfista, que está à frente da marca e viu nestas ideias um modelo interessante de divulgar o seu produto. Além disso continuo a produzir “O Desfiltrado”, que é outra coisa que eu vi como sendo uma necessidade, pois a Liga (MEO Surf) tem tanta gente interessante e diferente. Estamos sempre na galhofa mas que acabamos por chegar às entrevistas com aquele boné do patrocínio e com o discurso de competidor, que é sempre igual, não mostrando quem realmente somos.

 

Com o nível de mediatismo que tens atingido imaginamos que os patrocinadores te devem estar constantemente a bater à porta, ou não?
Há uma divisão. Por um lado eu ando a ter mais propostas com muitas marcas e a falar com muitas pessoas novas e empresas diferentes que estão a ver potencial nestes projectos. Por outro lado parece que as marcas de surf desapareceram. Isto que, se calhar, há alguns atrás era super interessante para o mundo do surf, um “cartaz” enorme que poderia correr nas bocas do mundo. Hoje em dia as marcas de surf parece que já não ligam a isso e sinceramente não vejo a quê que ligam. Houve um desinvestimento enorme, sei que a culpa não é propriamente de quem está à frente das marcas mas eu acho que a big picture é que as marcas estão com pouco dinheiro e não estão a conseguir aproveitar novas oportunidades de fazer crescer o seu negócio. Têm o travão do medo, o travão de “nós não temos dinheiro e se isto corre mal é só um gasto e não vai gerar mais receitas, não vai vender mais t-shirts”. O que é um principio errado, desinvestir completamente é a mesma coisa que tu teres uma economia em recessão e não tomares medidas para voltar a pôr a economia a mexer. Acho que toda a gente concorda que sem acção não vai haver uma reacção, e as marcas parece que não estão a agir, não estão a fazer nada que as metam na boca do mundo. As marcas que ainda estão a fazer coisas são as que se estão a sair bem, são as marcas que ainda estão no mercado. Claro que isto é muito mais complexo mas o princípio, na minha opinião, é este!

O surf não ficou para trás nesta fase - Phot by White Flag Productions

O surf não ficou para trás nesta fase – Photo by White Flag Productions

 

Isso quer dizer que estás sem patrocinadores, certo?
Sim (risos). Estou com uma marca (fora do surf) que vou anunciar em breve, com a Jobsite Surfboards, FCS, SurfSkate e pronto. É engraçado ver que a única marca de surf que tenho, sem ser de pranchas, é a FCS. As marcas que não são do surf, como a Buondi, Fonte Viva, com quem desenvolvi projectos no ano passado, a Tabasco e outras, são as que vêm potencial nisto e não as marcas de surf, mesmo quando sinto que estou a comunicar para um público não só surfista, que podia ser um pontapé de saída para reviver um bocadinho o nome das marcas de surf, mas não há vontade de iniciar esse processo.

 

Para terminar, como tens conseguido conciliar o surf, estes projectos e os estudos? Algum deles tem “perdido”?
Eu tenho a sorte gostar das coisas que faço, o que faz com que não me canse. Inclusivamente agora comecei uma nova fase da minha vida que é o curso de Ciência Política e Relações Internacionais na faculdade, ao mesmo tempo estou a estudar música, contrabaixo e canto. Isso além de fazer surf e vender projectos, algo que consome muito tempo. Tem sido muito difícil conciliar tudo, mas muito divertido. O que tenho tentado fazer é definir prioridades antes e quando começo um dia de trabalho escrevo uma check list. Tenho uma check list geral e depois tenho uma para o dia, vou à geral e tiro as coisas do dia, analisando o que é que mais importante naquele momento. Não posso dizer que o surf é mais importante que a faculdade se estou numa época de exames, e não posso dizer que o faculdade é mais importante que o surf se tenho um campeonato no fim de semana, ou se tenho de ir filmar ou produzir um projecto. As coisas são todas importantes nos seus momentos, por isso a conciliação delas depende da nossa capacidade de definir o que é importante naquele momento e de ter as nossas prioridades bastante bem decididas.

 

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