Em pouco mais de um ano, Frederico Morais passou de “pretendente” ao Championship Tour a destaque na elite do surf mundial. O percurso não foi fácil mas fez dele um surfista mais forte, pronto para se bater de igual para igual com os melhores do planeta. Sempre acompanhado do seu “super coach”, Richard “Dog” Marsh, também ele um ex-top do Championship Tour, Kikas teve um ano incrível e mostrou potencial de continuar a crescer. A ONFIRE falou com ele pouco depois da sua última sessão antes de arrancar para o Havai para saber o que vai na cabeça do actual líder na disputa de rookie do ano da WSL…
Estiveste vários anos no QS mas, há pouco mais de 13 meses, a qualificação não parecia estar muito perto. Alguma vez duvidaste que podias chegar ao Championship Tour?
Acho que o importante é mantermos sempre o foco. Às vezes uma pessoa pode estar a fazer tudo certo e as coisas não resultam. Houve momentos mais difíceis, quando as coisas não estavam a acontecer. Eu falava com o Dog e a resposta dele era sempre “continua a trabalhar que vai acontecer. Mantém o foco, acredita, e vai acontecer.” É uma coisa boa que nós temos, delineámos o nosso caminho e a nossa meta e cumprimos com aquilo que definimos sem nos perdermos pelo meio.
O que significa para ti ter conseguido a qualificação no Havai, a arena mais difícil do circuito mundial?
Eu sempre disse que se havia algum sítio onde eu tinha boas possibilidades de me qualificar, era no Havai. Há muito swell, tem o tipo de ondas que eu gosto e é um sítio onde eu vou desde os 11 anos. Já tenho um certo conhecimento sobre as ondas e sobre os campeonatos que lá existem. E o meu historial, desde que me qualifiquei para competir nos eventos prime no Havai, é óptimo. Por isso, depois do resultado que tive no Brasil no ano passado sabia que no Havai havia uma óptima oportunidade para agarrar.
Fizeste dois segundos lugares no Havai mas entre etapas ainda não estavas qualificado. Como fizeste para manter o foco entre Haleiwa e Sunset, com tanto em jogo?
A seguir a Haleiwa estava em 10º no ranking, ou seja, estava dentro mas não estava garantido. Estávamos todos muito próximos no ranking e era uma oportunidade que não podia desperdiçar. Eu trabalhei toda a minha vida para isto, para poder estar naquela situação. Felizmente consegui lidar com isso, focamo-nos em Sunset. Tinha muito bem delineado na minha cabeça o que tinha que fazer e o Dog esteve sempre comigo. O Ryan Callinan nessa altura estava em 9º lugar, ou seja, estávamos os dois para nos qualificar. Era uma boa equipa, somos melhores amigos, não havia melhor team para estar a competir no Havai.
Ficaste muito perto do primeiro em ambas, achaste o resultado justo?
O meu trabalho não é julgar os heats. Posso me sentir injustiçado, como muita gente se pode sentir injustiçada, mas eu escolhi competir no surf e são os juízes que dão as notas. E nós temos de respeitar. Tenho a certeza que eles fizeram o seu melhor. Eu, acima de tudo, fiquei contente com o meu resultado, com o surf que apresentei e isso é o que mais importa. Claro que uma vitória tinha sido inacreditável mas vou continuar a trabalhar para ser em breve.
Fala na importância de ter o Richard “Dog” Marsh na tua equipa…
Acho que nós temos uma história engraçada. A primeira vez que o conheci ele tinha acabado de entrar para a Billabong e veio de França para Portugal para me ver. Antes disto eu treinava com o meu pai e esta foi um bocado a transição. Ele chegou a minha casa, seguimos para o Guincho e disse-me para ir surfar uma hora e depois sair para falarmos. Estava pouca gente na água, off-shore e altas ondas, aqueles dias de Guincho que não há muitos e eu fiquei três horas na água! Passado uma hora ele arrumou as coisas dele, foi para o carro, e quando eu saí, feliz da vida, ele disse-me logo, “leva-me para casa que eu vou arrumar as minhas coisas e vou-me embora”. Eu fiquei meio perdido, não estava habituado a ter horários e a sair da água para falar. Em casa falei com o meu pai. “O que é que faço?”, perguntei. Ele disse, “Kikas, é a tua carreira, é a tua vida, tu é que tens que resolver. Vai lá, pede desculpa, explica que não funcionavas assim, é tudo novo para ti e que não volta a acontecer”. Fiz isso, fomos almoçar, pedi desculpa, falamos e resolvi as coisas com o Dog. A partir daí começamos uma relação que é quase como um segundo pai para mim. Uma pessoa que me inspira, que eu ouço e respeito. Acho que isso é o mais importante num treinador, o atleta respeitar e saber ouvir. Saber qual é a função do treinador e qual é a função do atleta, que passa por ouvir o treinador, se não conseguirmos fazer isso mais vale não ter treinador. É uma coisa boa que eu e o Dog temos, eu sei ouvir, sei argumentar com ele, mas sempre com uma boa relação. É um óptimo companheiro de viagem, basicamente qualificamo-nos juntos. Tivemos uma carreira júnior que eu não diria difícil porque fiz muitas finais e bons resultados mas nunca ganhei uma etapa do Pro Junior Europeu. Mas pronto, estamos no tour, tivemos um primeiro ano maravilhoso. Tenho um orgulho enorme em o ter ao meu lado e poder dizer que tenho o Richard Marsh a trabalhar comigo. Muita gente não sabe mas ele é um ícone do surf mundial. Abriu-me muitas portas, pôs-me em contacto com muitos shapers, e sem dúvida que é uma peça fundamental na minha carreira.
Vendo de fora, parece que vocês têm um game plan impecavelmente elaborado antes de cada heat. Explica-nos como acontece esse planeamento…
Eu gosto muito de pensar heat a heat, um passo de cada vez. E nisso o Dog é muito bom, em termos de definir qual é a nossa estratégia, o que podemos fazer. Isto sempre com a opinião de ambos, que é para estarmos em sintonia. Acho que é fundamental, hoje em dia o surf como está acho que quase todos os surfistas procuram ter o seu game plan, ou vários. Quando uma coisa não está a resultar passa para um plano B ou plano C, temos que estar preparados para mudanças. O mar é muito inconstante e pode mudar a qualquer momento. Há uma preparação, não é um dia antes do campeonato, ou dois dias antes do campeonato, há uma preparação uma semana ou 10 dias antes, para chegarmos lá e conseguirmos realmente fazer aquilo que queremos.
Imagino que a tua vida tenha mudado muito desde que te qualificaste. Quais foram as mudanças mais drásticas? O que mudou mais no teu dia a dia?
Hoje em dia sem dúvida alguma que sou muito mais abordado pelas pessoas, o que é óptimo. Eu gosto bastante, é gratificante ver que o nosso trabalho é reconhecido. Tenho mais entrevistas, o que se torna complicado porque temos que treinar e surfar, e não se consegue dar vazão a tudo. Além disso, muitas viagens, muito mais que antes. Ainda para mais este ano fiz o QS e o CT ao mesmo tempo e passei muito pouco tempo em casa. Mas eu gosto, estou habituado, tenho muitos amigos no tour, tenho uma boa relação com a maior parte dos surfistas, o que torna as coisas mais fáceis. De resto o treino continua o mesmo. As pranchas mudaram um pouco pois as ondas do CT são completamente diferentes das do QS. Em termos de encomenda de pranchas mudou também pois praticamente encomendo pranchas para cada paragem do tour. Felizmente as minhas pranchas estão incríveis e tem sido fácil arranjar algumas mágicas. O JS (Jason Stevenson, shaper das JS Industries Surfboards) sempre foi impecável comigo. Antigamente fazia muitas pranchas com o Chilli também, houve uma altura que trabalhei com a Polen, mas neste momento senti que as pranchas que se identificam mais com o meu surf e onde eu me sinto melhor e encontro mais estabilidade e mais pranchas boas é com a JS.
O que te surpreendeu no tour?
O feeling que eu tive do tour logo que comecei a fazer foi “eu não quero sair mais daqui”! Não houve nada que eu possa dizer que é mau, ou que não gosto. É um tour super profissional, onde todos nos respeitamos, todos estamos lá para ganhar, cientes dos nossos objectivos, sempre com respeito.
Um dos heats que mais impressionaste nem foi o que fizeste melhor surf. Estou a falar do heat com o Gabriel Medina no Rip Curl Pro Bells Beach, onde viraste o “feitiço contra o feiticeiro”. Conta como foi esse momento…
Quem vê o Gabriel a competir sabe que ele adora começar com a prioridade e é um surfista muito agressivo dentro de água. A nossa estratégia era não lhe dar a prioridade. Estávamos em Winkipop, que é uma direita, era final do dia, havia ondas mas já não com a consistência que esteve o dia todo. Nós sabíamos que podíamos jogar com a prioridade e perder ali um certo tempo do heat que, depois, para ele, podia o deixar mais nervoso estando de backside, que é mais difícil de surfar ali. Jogámos um bocado com isso, perdemos 10 minutos ou mais em prioridades, a batalhar, a remar, completamente fora do pico. Entretanto ele apanhou uma onda e eu fiquei à espera e apanhei uma do set e fiz um 8 e tal. Ele depois fez um 7 e tal, deixando-me a precisar de 4 e qualquer coisa até ao último minuto e consegui fazer a nota. Essa era a nossa estratégia, contra esses surfistas temos de estar sempre preparados para nos impormos de alguma forma e tentar ganhar o nosso respeito no tour.
Tinhas uma estratégia delineada para entrar no CT e imagino que, para este ano, o plano fosse disputar o título de rookie do ano. Já há plano para disputar o título mundial?
Não sei, acho que isso é uma resposta que vou deixar em aberto. O meu objectivo para este ano era manter-me no tour. O rookie do ano era uma coisa que poderia vir, mas não era o meu foco. Felizmente tivemos um ano óptimo e neste momento estou em primeiro na corrida de rookie do ano e espero conseguir manter essa liderança. No final da temporada vou redefinir os meus objectivos e traçar outra estratégia com o Dog. Aprendi muito, evoluí muito no meu surf mas ainda há muito para evoluir e muitas coisas para trabalhar e temos de ter sempre isso em mente. Vamos redefinir outra vez a nossa estratégia, traçar novos objectivos uma vez que este foi um ano de ambientação ao tour. Era tudo novo para mim, ondas onde nunca tinha ido, sítios onde nunca tinha estado… Agora sinto-me cada vez mais preparado, com um know how maior sobre as etapas e as ondas. O titulo mundial vou ter que deixar em aberto para já mas, se Deus quiser, um dia espero estar a trabalhar para isso.
Fala-se em grandes mudanças no tour muito em breve. O que podes divulgar e o que achas do que já sabes?
Acho que vai haver mudanças, não posso divulgar porque é o que nos podem e nisso tenho que respeitar. Eu próprio ainda não percebi bem quais vão ser as mudanças, mas vamos ver. Acho que nós, seres humanos, em tudo na vida é difícil aceitarmos uma mudança. Às vezes não vemos para além do que estamos a viver e podemos achar que não é tão bom mas pode ser benéfico para o tour. Não posso dizer se acho que vai ser bom ou que me agrada ou não agrada porque ainda não tenho a certeza do que vai ser por isso prefiro não falar de nada porque posso estar a dizer uma barbaridade.
Tens estado a dar aulas de surf no Guincho na tua escola de surf. É um sistema para relaxares nesta época entre campeonatos ou há outras motivações?
A escola foi um projecto que criei com amigos meus. Eu nunca tinha ensinado surf, já tinha dado uma aula ou outra mas, estar ali, com os miúdos, ver os sorrisos, empurra-los para as ondas… São, sem dúvida, momentos únicos e poder dar isso aos miúdos e receber em troca um sorriso é óptimo. Acima de tudo é poder dar mais à minha escola, estar com os meus amigos, fazermos em conjunto uma coisa que adoramos, que é o surf, e poder estar cá e fazer isso é incrível.
Uma final em Jeffreys Bay é um sonho tornado realidade? Havia mais algum sítio onde sonhavas mais ter bons resultados?
Sem dúvida. Eu tinha duas etapas, Peniche e Jeffreys Bay. J-Bay pela onda que é e pelo sítio, que eu adoro. Tinha estado lá 7 dias no ano passado e apaixonei-te pelo sítio. Apanhei ondas incríveis e senti-me em casa. O meu surf encaixava-se lindamente e sentia quase que já tinha surfado aquela onda. Por isso, quando me qualifiquei, J-Bay passou a ser uma etapa que eu queria muito ir e que estava ansioso para que chegasse aquela altura do ano. Felizmente fomos brindados com dias de surf épicos. Até os lay days estavam a dar boas ondas. E depois foi o conjunto de tudo, estava-me a sentir bem, o JS mandou-me pranchas especificamente para lá e a prancha que eu usei era incrível. Tinha o meu pai, o meu tio e o Richard lá. Acima de tudo estava contente e a surfar bem e consegui meter o surf que eu queria em competição.
E Peniche? A expressão criada pelos media, a “maldição de Peniche” (que surgiu pelo facto de Tiago Pires nunca ter vencido uma bateria nesta prova como top do CT), nunca passou pela tua cabeça?
Peniche foi incrível. Foram dias incríveis. No primeiro heat, no round 1, nunca tinha sentido algo assim. Eu saí a correr e as pessoas a berrarem, a praia cheia… fiquei arrepiado dos cabelos aos pés. A força que me deram, tudo, foi brutal. E lá está, na minha cabeça não estava sequer essa maldição de Peniche. Estava focado naquilo que eu queria fazer, que era tirar um resultado e defender a liderança do rookie of the year. E foi isso que fiz, tive heats difíceis, com poucas ondas mas consegui um 9º lugar, o que me deu pontos. Claro que queria mais mas para o ano há novamente a etapa de Peniche e lá estaremos com a força toda.
Fizeste um ano praticamente sem erros, pelo menos para quem viu de fora. Houve algum que ficou na tua cabeça?
Houve um erro, ou nem foi um erro, mas acabou por me custar pois neste momento poderia estar ainda mais seguro. Foi o heat com o Julian Wilson no Brasil. O heat foi muito renhido e senti que eu podia ter passado. Caí numa manobra que, se tivesse aterrado, tinha passado sem espinhas. O heat era meu e caindo aí foi mais um 13º. Passando esse heat no mínimo era um 9º que me dava ainda mais vantagem. Foi cedo no ano, mas é uma coisa que posso apontar. Em Bells, nos quartos de final, houve um set em que onda que fui na primeira onda e a segunda era melhor. São aqueles erros que quando saímos da água vamos ver ao heat analyser e que temos que melhorar, faz parte da aprendizagem.
Este ano chegas ao Havai, pela primeira vez desde que corres o circuito, sem precisar de resultados. O que esperas desta temporada?
Espero ter uma boa temporada. Vou descansado mas com objectivos, não vou de férias. Estou focado nos campeonatos que vai haver, Haleiwa e Sunset. E vou tentar cada vez mais ambientar-me à onda em Pipeline. São ondas que eu já conheço há muito tempo mas, como sempre, há algo mais para aprender. Há sempre trabalho para ser feito e eu prefiro ir mais cedo do que tarde. Para ser honesto, eu e o Richard ponderamos faltar a uma das etapas, para estar mais tempo em casa a descansar, mas eu não me sinto cansado. Preferi fazer a temporada toda e estar lá a tempo inteiro, concentrar-me e começar a trabalhar desde mais cedo, espero que resulte e que corra bem.
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