Poucos dias antes do início do EDP Billabong Ericeira Pro de 2018, prova QS 10.000 realizada em Ribeira D’Ilhas, viveu-se um momento de revolta da parte de alguns surfistas e suas equipes de treino. Em causa estava o número de surfistas portugueses que iriam participar nesta importante prova e a atribuição de wildcards pelos patrocinadores a surfistas estrangeiros. No final apenas 4 lusos entrariam no draw, 3 por seeding e 1 como wildcard local. Na manhã do evento a polémica já tinha acalmado e a prova decorreu como se esperava, com ondas boas e muita acção.

Mas ficou uma questão no ar, até que ponto haverá uma obrigação de colocar surfistas locais em provas realizadas nos seus países? Se, por um lado, os locais poderão brilhar devido ao seu conhecimento dos picos e as suas presenças podem ajudar a cativar mais público e media, por outro o circuito está aberto a todos os competidores, que podem garantir-se nos eventos por mérito próprio. E como (supostamente) todos estão em “pé de igualdade”, porque deveriam os atletas que têm a sorte de ter provas nos seus países ser beneficiados? No entanto o que é certo é que não estão todos em iguais circunstâncias e o exemplo mais berrante acontece nas provas havaianas.

Basta olhar para o seeding do Hawaiian Pro, a primeira etapa da Triple Crown of Surfing. Sendo um QS 10.000 esta prova terá um enorme impacto no ranking final, algo que determina não só quem entrará no Championship Tour como quem compete nas provas do primeiro semestre no próximo ano. Isso porque o ranking final de cada ano é válido nos primeiros 6 meses do ano seguinte, o que inibe competidores com menos pontos de participar nas provas mais valiosas. Um bom exemplo deste factor é Miguel Blanco, que chegou a estar no top50 do ranking, por ter conseguido bons resultados nas provas mais pequenas cedo no ano, mas só teve acesso a uma das três provas de 10.000 pontos do ano e nenhuma das três provas de 6.000 pontos. Um resultado fraco em Ribeira D’Ilhas e a falta de resultados excelentes nas provas de 3.000 pontos fizeram com que chegasse ao Havai na 108º posição do ranking, um lugar que em nada faz justiça ao surf que apresentou ao longo do ano. Junta-se à equação os 25 dos top32 do CT que marcaram presença nesta prova e o surfista de São Pedro do Estoril caiu para 5º lugar na lista de alternates do Hawaiian Pro, sem certeza se terá vaga nesta prova possivelmente até ao fim dos primeiros rounds.

Até aí, tudo bem, como Miguel não tem pontos para competir na prova, entra só se 5 surfistas desistirem do evento. Mas então porque razão é que cerca de 25 surfistas havaianos e dois tahitianos, todos classificados entre a 110ª posição do ranking QS e a 463ª posição, têm vaga garantida? É porque, de facto, há uma excepção nas regras da WSL, exclusiva para os havaianos:

45.02      For Hawaiian QS Events and due to local restrictions, Event details cannot be confirmed until such time that the correct permits are secured and the number of days are confirmed. Therefore, the following will apply:
(a) Events that are scheduled to run for three (3) days will use the 96 or 112-person format.
(b) Entry selection for a QS 10000 Event will be as in Article 45.01;
(c)  Entry selection for QS Events using the 96-man format will be as follows:
(i)     16 local Hawaiian Surfers; and
(ii)     Order from Article 45.01 will apply.
(d) A four (4) day Event will use the 128 format.”

Isso garante o acesso dos locais a esta prova, algo que vamos especular que terá a ver com regulamentes locais e pressão de entidades que poderão jogar com a atribuição de licenças para se realizar o evento, ou mesmo algo diferente que não é divulgado ao público. Esta não é a única excepção. A prova do Championship Tour do Tahiti, por exemplo, tem um evento de trials que mais nenhuma outra tem na mesma dimensão.

Voltando ao Havai, a situação já foi muito pior. Há menos de 10 anos o Pipe Masters tinha um formato diferente de todas as outras etapas do Championship Tour, garantindo assim a presença de 10 surfistas locais, experts da onda que não competiam no circuito nem em part time. Apesar disso estes havaianos acabavam por influenciar muito as carreiras dos competidores que chegavam à última etapa a precisar de resultados e tinham de defender as suas posições contra surfistas que faziam carreiras só a surfar em Pipeline.

Estas “pontas soltas” nas regras da WSL vêm do passado, de uma época em que a ASP provavelmente não tinha estofo para fazer frente à pressão exercida pelos locais desta ilha tão poderosa no grande esquema do surf profissional. Outros acontecimentos, mais graves que a colocação de surfistas locais nos eventos, foram acontecendo ao longo dos anos. Já poucos se lembram da agressão de Sunny Garcia a Neco Padaratz em pleno Pipeline Masters, deixando o brasileiro a temer pela sua integridade física enquanto fugia do enraivecido havaiano, insatisfeito devido a uma marcação durante uma bateria. Situações como estas, protagonizados por havaianos ou haoles,  seguramente não voltam a acontecer, tal como a excepção acima referida deve estar em vias de ser rectificada, talvez não na próxima temporada, mas em breve.

Em Fevereiro deste ano aconteceu o que provavelmente foi o maior choque entra a WSL e as entidades locais, neste caso a Câmara de Honululu, devido a uma questão de timings de entrega de formulários, e uma grande mudança no calendário ficou em stand by. Esta pequena batalha foi vencida pelas entidades locais mas, com o passar do tempo, a situação deverá inverter-se. Caso isso não aconteça a WSL poderá estender esta regalia a outras regiões, uniformizando as regras para todas as regiões. Ou não, o futuro dirá…

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