Já não é novidade que o livro Barbarian Days – A Surfing Life, escrito por Williman Finnegan, Prémio Pulitzer 2016, vai passar para a tela de cinema, tendo ao comando o brilhante realizador Stephan Gaghan (Syriana, 2005). Em alguns meios mais core do surf, debate-se o tema de qual o melhor actor ou os melhores actores para encarnarem William Finnegan em diferentes idades e facetas, como a de escritor, jornalista, viajante, mas sobretudo como surfista.

O livro é rico em descrições de lugares e de épocas. Uma fase da sua adolescência na ilha de Oahu em 1966 e mais tarde em Maui, 1971, a surfar a onda de Honolua bay. As suas aventuras no pacífico sul em 1978, pelas ilhas Carolinas, Samoa, e Fiji, onde foi um dos primeiros surfistas na onda de Tavarua, ainda virgem e onde um surfcamp só era possível num filme de ficção científica. As temporadas na Austrália, em Bali, Java e Sumatra. Os anos passados na África do Sul onde ensinou, surfou e envolveu-se em projectos de activismo social. São tantos os cenários, tantos diálogos, uma vida recheada de histórias e pessoas interessantes. As aventuras nas ondas de Ocean Beach em São Francisco, acompanhado do seu amigo Mark e, mais tarde, os reefs de ondas pequenas junto à cidade de Nova York.

A sua profissão de jornalista levou-o a aprofundar temas muito distantes da sua vida de mar, inúmeros artigos para a revista The New Yorker e diversos livros publicados, um dos quais sobre a guerra civil de Moçambique. Finnegan nunca demonstrou grande interesse em escrever sobre surf, achava mesmo que no meio em que se movia isso podia ser um factor de descredibilização. Não deixa de ser curioso que ganha o prémio Pulitzer, quando fala de si e da sua vida de surfista e de todas as decisões que fez nesta longa viagem de conciliação entre surf, vida familiar e profissional. Porque este livro é, acima de tudo, uma história de um amante das ondas.

Meus caros leitores vamos agora ao que interessa, ou pelo menos ao que me interessa. E creio que também vos pode interessar. Aqui vai o desabafo, se me permitem. Sabia que ia ser difícil escrever sobre Barbarian Days, li o livro duas vezes e houve um capítulo que li 3 vezes e de quando em quando ainda vou lá espreitar qualquer coisa. Ou seja, continuo a lê-lo, não está fechado em mim. Um capítulo com 55 Páginas sobre um sítio muito especial para o autor do livro e para quem vos escreve estas linhas. O seu retiro de inverno entre 1994 e 2003, onde escreveu, surfou e viveu desafios que cresceram de ano para ano. Onde sentiu a grandeza de deslizar num prancha gun, onde encontrou pessoas com o mesmo sobrenome dos seus colegas de escola no Havai, os Pereira, os Carvalho e outros tantos com nomes tão nossos. Finnegan, já na casa dos seus quarenta anos encontra na Ilha da Madeira semelhanças com a ilha da sua juventude. Encontrou gentes com a mesma coragem dos que emigraram a partir do séc. XIX para as Ilhas Havaianas, tendo como principal objectivo o trabalho nos campos de açúcar e uma vida melhor. As mesmas gentes que levaram o instrumento musical de nome Braguinha da Madeira ou Cavaquinho, que mais tarde se tornou no famoso Ukelele. Encontrou também semelhança nas montanhas, mas sobretudo, encontrou nas ondas poderosas a maior ponte para o Havai. Ambas quebram sem plataforma continental! Belezas que nos provocam sentimentos de medo e êxtase.

Deixem-me ser parcial e não me levem a mal. A Ilha da Madeira foi, até agora, a maior surpresa que este autor teve durante a sua vida de prancha às costas. Foi onde se desafiou como homem adulto. Um desafio físico e intelectual. Na pequena fajã do Jardim do Mar escreveu afincadamente sobre política internacional e guerras civis. No mar enfrentou ondas poderosas e saiu quase sempre com lições de humildade, porque o mar ensina-nos tão bem sobre essa matéria. A Madeira foi o seu retiro espiritual, por cerca de dez anos. Recordo uma descrição da onda da Ponta Pequena, “Era como surfar desde Malibu até ao North Shore”. Só um grande surfista e escritor pode descrever esta onda de forma tão exacta. Quem já a surfou sabe do que falo.

Eis a derradeira pergunta. Será que o filme irá ter imagens do Jardim do Mar e das suas irmãs ali ao lado?

Enquanto espero pela resposta, quero voltar à Pérola do Atlântico e mergulhar, uma vez mais, no meu capítulo preferido, Basso Profundo.

 

Para ler mais textos de João “Flecha” Meneses visita o seu blog “Caderneta de Mar”.

Sobre o Autor:
João “Flecha” Meneses | Com três décadas de surf nos pés, “Flecha” enquadra dois adjectivos de respeito no surf, “underground” e “Soul” surfer. Originalmente local das ondas da Caparica, João tornou-se residente da Ericeira há mais de uma década e é um daqueles surfistas que não aceita insultos do “Sr. Medo”. Nos seus tempos livres é escritor de mão cheia e esta é mais uma grande colaboração com a ONFIRE.

 

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