Fazer surf tem que ser uma das melhores sensações do mundo. Se não for, como explicamos que uma onda pode mudar toda a nossa existência? Pode acontecer a qualquer idade mas o que é certo é que, quando te tornas surfista, quando apanhas “o bichinho”, tudo pode mudar. Os tempos livres passam a ser quase inteiramente direcionados para fazer surf, o dinheiro para material, gasolina ou passe para ir para a praia e certamente que muito do tempo que passas fora de água estás a pensar em surf. Foi o que aconteceu comigo e hoje, mais de 25 anos depois da primeira onda, é bem visível o quanto o surf moldou a minha vida.

Recentemente tive a sorte de uma das minhas filhas ter sido “infectada pelo vírus do surf”. Estava a tentar “contagiá-la” quase desde que nasceu mas acabou por acontecer recentemente, aos 7 anos. Aos 3, 4 e 5 anos admito que “forcei a barra”, insisti tanto que criou uma resistência. A partir fui tentando uma vez por ano e foi pouco antes do verão passado que o “bicho” mordeu. Curiosamente foi na primeira aula numa escola de surf que tudo aconteceu e ao fim de um mês passou a ser uma rotina de pai e filha, ir ao mar juntos duas ou três vezes por semana. Admito que para mim o surf passou para segundo plano e muitas das visitas ao windguru são para confirmar se o mar vai estar perfeito para ela, condições essas que estão longe do que procuro para mim. Está a ser uma fase de regresso às raízes, aquela altura em que uma surfada boa era aquela em que tinhas apanhado ondas, simples, só isso, sem ter a expectativa de acertar aquela manobra, ou encher uma onda de manobras para sair contente. Surf for fun, nada mais, fazer umas ondas até bater com as quilhas na areia e tudo o que vier a mais é “lucro”. Isso sim, é o espírito do surf, estar na água a divertirmo-nos com esta prenda da natureza que são as ondas, independentemente de estarem grandes ou pequenas.

A rotina tem-se mantido e, há menos de 24 horas, para acabar o feriado em grande, fomos procurar umas ondinhas. Como a expectativa é baixa fomos recompensados. A surfada estava a ser divertida mas tornou-se ainda mais quando chegou uma amiga, igualmente “mordida” pelo bichinho do surf. As duas riam-se às gargalhadas, trocavam ondas e ao fim de um bocado, num fim de tarde com um por do sol majestoso por detrás, expulsaram os respectivos pais da água e ficaram sozinhas a divertir-se, incentivando-se sem qualquer indício de competitividade entre elas. Foi difícil tirá-las da água, algo que só aconteceu com a promessa de que, dentro de uns dias, repetia-se a combinação. Para mim, isso é o principal a retirar do surf, diversão, o resto é o menos importante.

Fast Forward uns anos, para uma realidade que espero que nunca venha a ser a sua. Vejo miúdos na água que há pouco tempo tinha visto no mesmo registo, aquele stoke, contentes por estar ali. Mas agora já não se vê a alegria. Nos olhos deles vê-se foco, nos pés vê-se surf cada vez “melhor”, mas parece que a diversão ficou enterrada bem lá no fundo! Muitos deles têm autocolantes nas pranchas, outros ambicionam ter e estão em constante treino e insatisfação. Miúdos que deviam estar contentes por não estarem fechados em casa a fazer trabalhos da escola ou a ver desenhos animados. Mas não, estão na água, eléctricos atrás de ondas, a dizer palavrões quando perdem uma ou quando falham uma manobra. Acabam as ondas com uma linguagem corporal que confirma a minha teoria que a diversão já ficou bem para trás. No início deste ano assisti a uma “super session” dessas nos Coxos. Dentro de água estavam os melhores surfistas da nova geração portuguesa e enquanto me preparava para entrar estava deliciado com o nível de surf a que estavam a fazer. No entanto, quando entrei, fiquei desiludido.

Este groms mostraram uma postura deplorável, davam voltas no pico, roubavam ondas, gritavam, diziam palavrões e não mostravam respeito uns aos outros ou mesmo aos restantes surfistas que estavam na água, alguns com o dobro ou o triplo das suas idades e anos de surf, muitos dos quais simplesmente queriam fazer as suas ondas depois de uma semana de trabalho. Não vou dizer que o line up dos Coxos num dia de ondas pequenas (1 metro) seja um sítio tranquilo ou que dê propriamente para apanhar ondas à vez. Mas havia muitas ondas, dava para todos. Dava, na teoria, mas não deu…

Para piorar, e não quero generalizar e dizer que todos os pais e treinadores destes jovens surfistas os incentivam a não respeitar os outros surfistas na água, mas neste dia foi o caso. Adultos agiam quase que como guarda costas, em vez de promoverem o respeito, educação e bom ambiente na água, faziam o oposto. Entrando no tema dos pais, sinto que entramos num “cliché” em que muitos pais projectam nos filhos um desejo de ser algo que quiseram ser mas nunca conseguiram. No passado aconteceu com o futebol (e o ballet no caso das meninas?!?!) e agora é no surf. Talvez devido aos casos de sucesso como o Tiago Pires, Vasco Ribeiro e Frederico Morais, pode sonhar-se em realmente fazer uma grande e lucrativa carreira no surf. Mas, foram apenas três entre muitos que não chegaram lá. A caricatura do “Little league dad” norte-americano, com os pais fanáticos aos gritos nas bancadas durante os jogos, já se vê nos circuitos juniores em Portugal. Será que era isso que pretendiam quando os meteram pela primeira vez numa prancha de surf? Há pais a investirem muito nos filhos, para que eles possam ter uma hipótese de serem surfistas profissionais. É um direito que têm e é de louvar  paixão e dedicação. Mas será que não estão a colocar “todos os ovos na mesma cesta”, deixando em segundo plano o futuro académico e o desenvolvimento dos filhos num ambiente normal?

Com isto tudo não quero dizer que sou contra campeonatos, patrocínios, treinadores de surf e muito menos acompanhamento dos pais. Acho que em muitos casos pode ser saudável e quem não gostaria de ver os seus filhos (ou alunos) a atingirem o máximo do seu potencial?

Mas a que custo?

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