Recentemente ficámos a saber que Garrett McNamara “apoia” a candidatura de Almada a “Cidade Europeia do Desporto 2018”. Rapidamente choveram manifestações positivas e negativas acerca desta opção de representação, sendo natural, até porque Garrett McNamara não é português, o que desafia desde logo a condição patriota dos portugueses, é também lógica, afinal já representou a Nazaré, Portugal, pelo meio marcas e agora Almada.

Já há algum tempo que tinha vontade de escrever acerca deste fenómeno, agora penso ter chegado a altura certa. Desde já, por questões profissionais, sendo marketer e tendo colegas a tomar estas decisões (de escolhas sobre endorsement), apraz-me perceber que todos fizeram excelentes opções ao escolher McNamara como representante daquilo que queriam comunicar. O alcance que conseguiram foi excepcional e por si só, sendo que estamos a falar de bens de consumo (café) ou locais (país, cidade e vila), o critério de segmentação predefinido é bastante alargado, logo os resultados só podem ter sido mais do que conseguidos.

Recuando um pouco no tempo, e de forma a sustentar esta opinião (não querendo entrar em pormenores técnicos de surf), quando a Câmara Municipal da Nazaré procurou explorar a especificidade da Praia do Norte, recorrendo a um surfista estrangeiro disponível para desbravar as condições únicas desta zona, de forma a dar a conhecer, logo explorar economicamente, esta vantagem (reforço a exclusão da questão técnica de surf), essa escolha provou ter sido perfeita. Os intentos da autarquia, na minha opinião, foram mais do que conseguidos. A Nazaré beneficiou de um alcance sem igual, de extensão mundial, percorrendo todo o tipo de meios e de reconhecimento autêntico, já que a zona apresentava-se como tendo ondas específicas e o surfista explorou essa especificidade no seu expoente máximo. Assim, podemos concluir que o objectivo era claro e o resultado superou esse objectivo. Hoje a Nazaré está no mapa (reconhecimento) e evoluiu economicamente no sector privado.

Pegando nos percursores (CMN) e levando esta estratégia para todas as outras relações representativas – Portugal, Café Boundi, Lion of Porches e agora Almada, podemos assumir que foram opções válidas, até porque os valores de representatividade (é publico) são interessantes e os resultados imediatos – a constante opção pelo mesmo personagem faz com que o reconhecimento se mantenha em alta, foram também bastante inteligentes já que todas estas marcas tentavam ir buscar algo aspiracional ao “Surf” – com reconhecimento evidente e duradouro. Portanto, parece não haver espaço para grandes críticas negativas às ligações das marcas com este indivíduo, não me parece sequer discutível que as estratégias acima descritas fossem erradas, os resultados provaram ser certeiros.

Todavia, há efeitos colaterais neste tipo de estratégias longas no tempo e comuns na génese. A médio prazo e quando a temática exposta é especifica, neste caso – Surf e Ondas, o alcance per si, sem critério e sem sustentação, não só não converte, como o investimento fica disperso. Senão vejamos, a Nazaré neste momento ficou conhecida, mas, além de projectos privados de imobiliário (não hotelaria), o investimento que aparece, aparece para investir no Garrett McNamara e não na Nazaré. O que me parece natural, já que o reconhecimento está no indivíduo e não a marca/produto/serviço. Este fenómeno está de facto a acontecer, tendo a Câmara local voltado a investir no reconhecimento da zona por outras vias, não no surf actividade, mas na zona turística como um todo.

A credibilidade também fica beliscada a médio prazo, ou seja, se o objectivo foi apenas alcance/reconhecimento (awareness) o proveito é total a curto prazo, porem a médio prazo a mensagem global de curta duração, torna-se de média duração pelo target conhecedor, o que define como negativa a mensagem se esta for inócua. O que é o caso, já que o mensageiro neste caso não transporta apenas a mensagem, ele próprio representa-a.

Volto à primeira frase e de lançamento deste tema – Almada, na minha humilde opinião, escolheu muito bem se o objectivo é angariar votos no exterior, o que me parece lógico. Todavia, não geriu pelos vistos o target conhecedor e detentor de opinião qualificada, o que em casos como este são fundamentais ter em conta. Não só pela relação social com a edilidade, mas também pela relevância que o target “core” tem a longo prazo numa zona tão especifica e tão importante para Almada como a Costa de Caparica.

Em jeito de conclusão, deixando uma opinião menos mercantilista mas largamente mais eficiente – Algo de muito errado se passa quando se continua a achar que é dinheiro bem gasto disparar “cartuchos” indiscriminadamente de forma a acertar em alguém, sem ter a mínima capacidade de analisar e apontar ao alvo certo para o produto certo. Já não é nesse tempo em que vivemos.

As administrações já não podem ficar contentes apenas com cadernos de valorização hiperbolizados, a conversão real de tal investimento tem que ser tangível e de preferência deixando um legado de credibilidade e reputação gerível. Será sempre fácil de apresentar resultados inócuos, mas cobertos de um valor imenso percepcionado (o alcance e reconhecimento).

Pedro Soeiro Dias

Sobre o Autor:
Pedro Soeiro Dias | Individualista, enigmático, muito atento e crítico em relação a tudo o que rodeia. A convicção e a solidez com que defende os seus pontos de vista transmitem muitas vezes a ideia de arrogância.
Tem 38 anos e desde os 16 que tem prancha.
É realizador de formação e no início do século ainda explorou a indústria, mas a celeuma do mercado, fez com que se dedicasse à escrita.
As viagens marcaram o seu processo de maturação e, recentemente, viajou até ao Havai, cumprindo um dos seus sonhos.
Vive, trabalha e surfa na Ericeira.
A paixão por “marcas” aliada a traços de personalidade que lhe conferem extrema sensibilidade para o marketing redesenharam o seu percurso profissional. Hoje é um marketeer apaixonado.

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