A última semana foi fértil em movimentações no mercado do surf. Assistimos a propostas de compra e venda consecutivas das maiores marcas do segmento, contratações e despedimentos, desenvolvimento e inovação num contraste directo com a tendência retro, tudo isto acontece de uma forma vigorosa e bastante veloz, mostrando o crescimento insustentável de um negócio do qual ainda não se tem noção de até onde pode chegar.
Das muitas notícias que vieram à baila, a mudança de estratégia da Nike, foi a que suscitou mais burburinho. Depois de perspectivar um valor de mercado de 380 milhões de “dollars”, assumindo a sua duplicação em 5 anos, era esperado que a Nike tivesse vindo para ficar. Todavia, este é um paradigma novo na indústria dos sonhos, no mundo real os cêntimos investidos tem que ser convertidos em ganhos reais e se assim não for refunda-se a estratégia – como o outro diz. Ainda não foram tornados públicos os resultados do investimento da Nike do último ano fiscal, mas com certeza que esta opção não foi feita sem escrutínio profundo de um cenário vindouro. É importante referir, que a Nike divide as suas operações em vários segmentos (futebol, fitness, atletics, etc) e que os action sports são os únicos onde existe margem clara de crescimento, tanto em mercado, com em notoriedade global da marca.
Este é um dos primeiros cenários de abrandamento de uma marca não endémica que procurou no surf o que encontrou no skate há uns anos atrás, uma abordagem que foi extraordinariamente trabalhada, aliás à semelhança do surf, e que obteve resultados não imediatos, mas consistentes.
Sendo o skate e o seu mercado tão específicos e únicos, porque será que os resultados são tão positivos? Tendo o surf atingindo a sua maturidade e seguramente a sua globalidade, porque é que não há uma perspectiva de crescimento a longo prazo como marca que intervêm em todos os segmentos (técnico, vestuário, acessórios, etc)?
Estas perguntas tem a mesma resposta, e que se resume ao negócio nuclear da Nike – o calçado. A base de sustentação do negócio do gigante americano anda nos pés de todos nós, o resto são propostas de valor acrescentado para a marca. Assim, e numa perspectiva de desenvolvimento de mercado, a estratégia da marca apontou para a proposta directa ao consumidor, envolvendo a marca com o desporto de uma forma transversal e profunda ao nível do investimento em promoção, o que se revela inconsequente neste altura do campeonato. Em contraponto temos o skate, em que um dos objectos de maior desgaste e alvo de paixões e estatutos é por si só o produto principal da Nike – o calçado, ao contrário do surf em que os praticantes não usam peças de vestuário no momento de estarem a usufruir do seu ambiente natural, o mar.
Parece redutor, todavia, ao longo destes últimos três anos temos assistido ao crescimento galopante do consumo de material técnico, demonstrativo do aparecimento de novos surfistas, porem a mesma linha de crescimento é inversa no que diz respeito ao consumo de “lifestyle”. Este é mais um indicativo claro, de que o mercado não cresceu neste segmento, acima de tudo dispersou-se, não se envolvendo particularmente com as marcas endémicas.
Este é, aliás, talvez o maior desafio das marcas de surf (endémicas) – como poderão continuar a propor produtos que não são necessários para a prática daquilo que deixou de ser uma forma de estar?
Esta é a maior factura a pagar por parte das marcas que um dia ousaram não proteger o seu negocio, logo o seu mercado, acenando de forma vigorosa para consumidores desatentos e pouco interessados, apostando num mercado maior, é verdade, mas global, demasiadamente heterogéneo e sem desejo pelo sonho.
Não há surpresa portanto, a Nike continuar a apoiar os seus embaixadores, assumindo-se claramente como uma marca de calçado, sabendo que com este “desinvestimento” não vai boicotar em nada aquilo que é o seu negócio nuclear e a sua imagem.
Sobre o Autor:
Pedro Soeiro Dias | Individualista, enigmático, muito atento e crítico em relação a tudo o que rodeia. A convicção e a solidez com que defende os seus pontos de vista transmitem muitas vezes a ideia de arrogância.
Tem 33 anos e desde os 15 que tem prancha.
É realizador de formação e no início do século ainda explorou a indústria, mas a celeuma do mercado, fez com que se dedicasse à escrita.
As viagens marcaram o seu processo de maturação e, recentemente, viajou até ao Hawai, cumprindo um dos seus sonhos.
Vive, trabalha e surfa na Ericeira.
A paixão por “marcas” aliada a traços de personalidade que lhe conferem extrema sensibilidade para o marketing redesenharam o seu percurso profissional. Hoje é um marketeer apaixondado.
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