A grande diferença entre o desporto amador e profissional está nos momentos de liberdade proporcionado por cada um deles. Não a liberdade ganha pelo dinheiro nas competições, possibilitando a alguns a sua subsistência e independência, mas a liberdade do sorriso, da independência, do suor verdadeiro e do sentimento de conquista e proveito, proporcionado pela vitória.
Na sua génese, os Jogos Olímpicos foram desenvolvidos para dar espaço aos atletas amadores das mais diversas modalidades, mostrar a sua destreza e ambição perante os seus oponentes. Rapidamente, o conceito amador do evento, passou para uma grandeza inigualável, onde os desportistas passaram a ser o elemento garante de recordes e conquistas heróicas. Ainda hoje, os jogos olímpicos são a maior manifestação desportiva do mundo e de 4 em 4 anos, uma cidade no mundo passa a ser o alvo de todos os olhares, que este ano estiveram postos em Londres.
Apesar de toda a tradição, proposta mediática e desportivismo, a linha que separa os Jogos Olímpicos do Surf é bem mais densa do que se pinta.
Senão vejamos, na perspetiva comercial a possibilidade de uma aposta “surfística” no programa olímpico era de sobre maneira interessante para as marcas pioneiras, todavia essas jamais teriam qualquer capacidade, financeira ou estrutural, para estarem diretamente envolvidas no investimento. Talvez pudessem estar indirectamente, via patrocinados. Porém, este cenário é algo completamente impossível no panorama actual de investimento publicitário, em que é totalmente aniquilada a presença de marcas que não patrocinem oficialmente o evento. Consequentemente, as pranchas que habitualmente vemos apetrechadas de autocolantes, apresentariam-se de um branco imaculado.
Assim, colocam-se em vantagem as marcas endémicas, com capacidade financeira para um investimento coincidente à proporção de tamanho evento, que per si já estão na linha da frente em termos de grandeza e de proposta de valor no panorama atual e encontrariam aqui a possibilidade de criar mais mercado (primeiro artificialismo).
Curiosamente os maiores defensores, no que ao “negócio” diz respeito, são talvez aqueles que têm responsabilidades institucionais, possivelmente procurando algum lobby mais vantajoso, para um qualquer “negócio” mais chorudo. Diria que na linha da frente encontramos nomes como Fernando Aguerre (fundador da Reef e actual presidente da ISA), Wayne “Rabbit” Bartholomew (ex-presidente da ASP) ou Rainos Hayes (treinador da seleção Havaiana). Reforço a ideia com algumas palavras de Steve Hawk (antigo editor da Surfer) “Tudo o que é negativo no Surf vem à superfície quando as pessoas procuram explorá-lo e esta questão dos Jogos Olímpicos está a ser alimentada por exploradores”.
Na perspectiva desportiva, o assunto não suscita manifestações, nem que seja pela ambiguidade das opiniões. Por um lado, estão aqueles que se consideram “atletas” acima de qualquer dúvida, conceito ou juventude. Do outro, estão aqueles que são simplesmente “livres”. O profissionalismo é evidente e a luta por um lugar ao sol também, logo o crescimento da performance, o desenvolvimento físico e motor tornou-se um requisito lógico. No fim da linha fica o que motiva cerca de 85% dos que vivem o sonho: viajar e encontrar a onda perfeita.
Termino com a análise deste assunto, com a perspetiva de João Macedo, na sua visão do que se está a passar na praia de Ribeira D’Ilhas: a cultura – inerente aos desportos de prancha – é a denominação correcta para descrever uma experiência única, inexplicável e simplesmente diferente. Citando Matt Warshaw (jornalista da Surfer) “Podemos apenas estar de acordo uma única vez? E aceitar que o Surf é algo diferente?”.
Não pegando no cliché do lifestyle, poderemos sempre justificar esta “cultura” com o local onde é praticado o surf: o mar é algo inconstante, diversificado, imprevisível, origem de muitas descobertas e paixões. Não é uma baliza com redes cosidas milimetricamente e com determinado tamanho, universalmente semelhante, onde o objetivo é único e comum.
O Surf não tem um objetivo.
Sobre o Autor:
Pedro Soeiro Dias | Individualista, enigmático, muito atento e crítico em relação a tudo o que rodeia. A convicção e a solidez com que defende os seus pontos de vista transmitem muitas vezes a ideia de arrogância.
Tem 33 anos e desde os 15 que tem prancha.
É realizador de formação e no início do século ainda explorou a indústria, mas a celeuma do mercado, fez com que se dedicasse à escrita.
As viagens marcaram o seu processo de maturação e, recentemente, viajou até ao Hawai, cumprindo um dos seus sonhos.
Vive, trabalha e surfa na Ericeira.
A paixão por “marcas” aliada a traços de personalidade que lhe conferem extrema sensibilidade para o marketing redesenharam o seu percurso profissional. Hoje é um marketeer apaixondado.
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