Depois de uma semana de perfeição em tubos quentes e de uma embarcação quase virada de pernas para o ar, Kopke e Boonman continuaram a desbravar a Nicarágua por mais uma semana.

Esta é a segunda e última parte, relembra a Parte I, também ela relatada por João Kopke aqui, das aventuras dos dois surfistas de Carcavelos na terra “onde os meninos levam às costas machados e não mochilas quando acompanham os irmãos ao poço”!

Os dois dias seguintes desiludiram-nos no mar. Tentámos procurar soluções para fazer surf fora dali, alugar um carro, ir de táxi, olhámos para 10 zonas de surf diferentes e estudámos como funcionavam os ventos e as marés para cada uma delas. Quando acabámos de decidir, fomos pescar, e não saímos dali. Senti a inércia a agarrar-me com todas as suas forças, talvez como nunca havia sentido. Era muito difícil sair dali. A comida era boa, as pessoas eram simpáticas e acolhedoras e a cada dia que chegava alguém novo ao nosso dormitório a viagem ficava mais interessante.

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Pedro Boonman negoceia o seu caminho com os milhares de caranguejos que tomaram conta da praia no primeiro dia que choveu! ©White Flag Productions

Ao jantar, contavam-se as histórias sobre todos os lugares do mundo e aquela viagem à Nicarágua transformava-se noutra, a cada vez que me sentava à mesa. Tirámos tempo para passear e tirar fotografias. De dia, às paisagens e aos caranguejos que invadiam a praia aos milhares ao pôr-do-sol. E à noite, fotografámos as estrelas.

 


“Sinto-me com sorte de viver num lugar onde os meninos não levam às costas machados mas sim mochilas. Onde a água sai das torneiras e não dos poços e onde os problemas da vida são a crise, o IRS e o IVA.”


 

A três dias do fim da viagem, com os fundos maus no Boom, estávamos a ficar preocupados. Não havia boas ondas há 5 dias e tínhamos que tomar uma decisão. Começámos a estudar novamente outras possibilidades, mas desta vez não conseguíamos encontrar nada que parecesse valer a pena. Foi então que me lembrei do Point. Eu achava que poderia ser uma boa  alternativa, mas foi difícil convencer o Pedro e o Nuno a voltarem a subir naquele barco. Ao fim de 10 minutos de conversa já nem eu estava convencido de que era uma boa ideia e senti responsabilidade de não encontrarmos boas ondas ali outra vez a saltar em cima dos meus ombros.

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O certeiro onshore da tarde não deixa de ser muito divertido para dar umas manobras mais power. João Kopke power blow tail! ©White Flag Productions

Subimos ao barco. Eu só rezava a Neptuno para que a onda não fosse o que tinha sido antes e eles provavelmente já tinham as facas afiadas na cabeça, prontas para se enterrarem em mim ao segundo cutback que a onda obrigasse a fazer.

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Entre surfadas, João Kopke sentia intensamente a realidade em que se enquadrava!… ©White Flag Productions

Mas a onda estava lá! Não era uma atracão comparável ao Boom, mas era suficientemente boa para nos manter na água por 4 horas, ao fim de 5 dias sem bom surf. Acabou por ser o mar a dar-nos um adeus digno, que durante 2 dias se despediu oferecendo boas esquerdas. Algumas tartarugas até vinham ocasionalmente cumprimentar-nos à superfície, enquanto aproveitavam para respirar.

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Uma onda que não dá tubos em La Boom não deixa de ser perfeita! Pedro Boonman prepara, na perfeição, uma explosão… ©White Flag Productions

De volta a casa, depois da longa viagem de regresso sinto-me com mais sorte do que nunca quando penso nas últimas duas semanas. Sinto-me com sorte de viver num lugar onde os meninos não levam às costas machados mas sim mochilas. Onde a água sai das torneiras e não dos poços e onde os problemas da vida são a crise, o IRS e o IVA.

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Foram várias tardes que Boonman e Kopke surfaram neste pico para a esquera. Boonman queria acertar o aéreo perfeito e escusado será dizer que conseguiu, e no dia em que tinha milhares de caranguejos como espectadores! ©White Flag Productions

De uma maneira muito egoísta, sinto-me com sorte de me revoltar comigo próprio por ter gostado tanto de um sítio onde os meninos levam às costas machados e não mochilas quando acompanham os irmãos ao poço e onde os problemas da vida surgem minuto a minuto, porque vive-se um dia de cada vez de verdade. Sinto-me com sorte, de no meio de tanta miséria, sorrirem-me mesmo assim as pessoas, quando lhes dizia um “Hola!”. E o bom de viajar para longe dos resorts e das praias privadas é que teremos sempre mais motivos para nos apaixonarmos por um lugar e voltar a casa com um olhar diferente.

Na próxima edição da ONFIRE, poderás não só ver uma incrível reportagem fotográfica sobre esta aventura, como ler sobre todas as emoções que Kopke e Boonman sentiram na imperfeita perfeição da Nicarágua!

 

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