Recentemente, apesar de já ter alguns meses, ouvi uma peça da jornalista Marta Pacheco na Antena 1 sobre Surf (podem ouvir aqui), ou melhor sobre o panorama da actividade lúdica/desportiva – Surf. Não só me parece uma excelente peça (apesar de algumas limitações e inverdades) como se revelou a ancora que procurava para falar de um paralelismo que, pelos vistos, é o novo cartão de visita ou se preferirem o novo mote para vender o Surf em Portugal.
Na peça são abordados temas tão vastos como: escolas de surf, protecção da orla costeira, potencial das ondas, alguns números sobre o “valor” económico do Surf, competição, surfistas, ambiente, o turismo do surf, a Nazaré e o famigerado Mcnamara, que por sua vez se tornou embaixador de Portugal além fronteiras, entre muitos outros temas.
De facto, não sendo novo, estamos perante uma actividade com uma riqueza existencial única e que naturalmente tem sido explorada de uma forma crescente. Todavia, desde há algum tempo que constato uma consecutiva comparação de Portugal à Califórnia, assim nem mais nem menos, compara-se 900 km de costa com 5.500 km, o numero de surfistas em Portugal é somente 1/6 do numero de surfistas na Califórnia (apesar da Califórnia ter apenas mais 3 milhões de habitantes do que Portugal), 70 anos de surf mais coisa menos coisa e uma industria a rondar os 6 biliões de dólares anuais contra “apenas” alguns milhões, ainda assim, isto são apenas dados estatísticos, pouco valem para tamanha ousadia, isto porque é incomparável culturalmente o caminho que trilhamos e aquele que amadureceu na Califórnia nos últimos… repito 70 anos.
É fundamental que se comece a não questionar a inerente subjectividade desta actividade, que não se fecha no plano desportivo e que tem uma componente cultural e turística bem mais rica e sustentável do que a competitiva. Para justificar esta percepção, volto à peça jornalística e acrescento mais alguns números – mais de 3/4 da peça aborda a componente turística, inerente ao crescimento económico neste segmento, nesse espaço são explorados os negócios de alojamento, recriação, ensino e venda de produtos, reduzindo os eventos competitivos a 10% do valor económico do Surf anualmente. Portanto, numa analise imediata e razoavelmente ponderada percebemos o valor residual da competição nas linhas orientadoras do crescimento económico do Surf em Portugal.
Naturalmente, a competição tem uma importância decisiva na evolução técnica e material do Surf, todavia, neste momento em Portugal está claramente avaliada “por cima”. E é por isso que não posso concordar, aliás discordo em absoluto, com esta comparação regional, não pela competição, mas pela culturalidade, pela aceitação e exploração do evidente “ouro”, pelo consumo assumido e pelo lifestyle subjacente e respeitado, viciante e com bom aspecto que só as marcas deste meio criaram, uma industria com mais feiras de trade do que o resto do mundo, uma heterogenia que vai para lá da idade ou estrato social.
Em contra ponto está Portugal, ultra competitivo, com mais eventos internacionais do que a própria Califórnia, com uma rede de escolas insustentável (Portugal é o pais do mundo com mais escolas de surf per capita), com um reduzido nível de consumo de produtos de surf e um nível técnico (numa relação directa com o numero de praticantes) muito baixo. Um Portugal que é comparável ao sudoeste de França de há 10 anos (curiosamente ajustaram a forma como encaravam o Surf Industria), ignorando o verdadeiro valor subjectivo da actividade lúdica, apostando todo o discurso na vertente economicista desgarrada e de um outro desporto qualquer.
Não ouso pensar que um caminho seja melhor que outro, apenas é evidente que a comparação simplesmente não pode existir… pelo menos por enquanto!
Sobre o Autor:
Pedro Soeiro Dias | Individualista, enigmático, muito atento e crítico em relação a tudo o que rodeia. A convicção e a solidez com que defende os seus pontos de vista transmitem muitas vezes a ideia de arrogância.
Tem 35 anos e desde os 15 que tem prancha.
É realizador de formação e no início do século ainda explorou a indústria, mas a celeuma do mercado, fez com que se dedicasse à escrita.
As viagens marcaram o seu processo de maturação e, recentemente, viajou até ao Hawai, cumprindo um dos seus sonhos.
Vive, trabalha e surfa na Ericeira.
A paixão por “marcas” aliada a traços de personalidade que lhe conferem extrema sensibilidade para o marketing redesenharam o seu percurso profissional. Hoje é um marketeer apaixondado.
(4 portugueses a absorver a cultura Californiana)
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